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As propostas extravagantes de Adolfo Sachsida; Braço de direito de Paulo Guedes

O PARANAENSE ADOLFO SACHSIDA ocupa um cargo estratégico na formulação da política econômica e social do governo. É o atual secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, cargo que tem uma importância crucial na determinação da agenda econômica do país. No início do governo Lula, por exemplo, esse cargo foi ocupado por Marcos Lisboa, que acabou sendo um dos grandes responsáveis pelo desenho do programa Bolsa Família, uma das marcas de nossa política social. Mais: acredita que os direitos trabalhistas são um estorvo para o empresário e principal causa do desemprego no país – e defende seu argumento citando filmes americanos. Culpa os pobres e miseráveis pelo déficit da previdência – afinal, ele recebem um salário mínimo sem terem contribuído para o sistema. E acha que as mulheres devem se aposentar junto com homens, mas pagando mais. Que se dane a jornada doméstica – isso não é problema da previdência. Carreira política naufragou Figura conhecida nos círculos conservadores e liberais brasileiros, Sachsida tentou a eleição para deputado distrital em 2014 pelo Democratas. Obteve 3.372 votos, ficou na 105° posição e não se elegeu. Santinho de campanha para deputado federal de Adolfo Sachsida. Aproximou-se, então, de Bolsonaro quando poucos acreditavam que um risível deputado de extrema direita poderia se tornar presidente do país. São muitas as afinidades entre Bolsonaro e Sachsida. Sachsida expressa abertamente sua fé em Olavo de Carvalho. As trocas de gentilezas entre ambos eram frequentes, com direito aos famosos “hangouts” entre o economista e o Rasputin brasileiro. Nas conversas, os dois debatem temas como Escola sem Partido, a ameaça islâmica, os perigos do comunismo e outros tópicos típicos do cardápio de insanidades daquele que Sachsida chama de “professor”. Em um depoimento, o economista classificou Olavo como “um dos maiores pensadores brasileiros dos últimos 50 anos”. Trecho do depoimento de Adolfo Sachsida sobre Olavo de Carvalho. Olavo soube corresponder a tão profunda admiração – pena que o texto em questão tenha sido apagado por Sachsida. Captura de tela: Facebook/ Olavo de Carvalho Como Olavo e Bolsonaro, Sachsida também nutre um ódio profundo contra o ex-presidente Lula. Até aqui, nada demais. Afirma que Lula é um “bandido de alta periculosidade” e que “representa riscos claros a [sic] ordem pública”. Até aqui, mais uma vez, nada demais. Segue o jogo. Mas ele vai além e diz que Lula faria “de tudo (como tem feito) para jogar o país numa guerra civil”. Aqui, creio, ultrapassamos o limite das discordâncias típicas de uma democracia e entramos na arena dos delírios olavistas. Sachsida também divide com o capitão reformado a compreensão sobre os “probleminhas” ocorridos durante a ditadura militar brasileira. O atual secretário já usou o seriado 24 Horas para racionalizar a atitude de Geisel, que teria dado sua bênção para que o “abate” de “terroristas” continuasse no Brasil. Captura de tela: Blog de Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo Que os Deuses não lhe confiem tal decisão. Rezo. Além de colunista em sites liberais e conservadores, Sachsida também era conhecido por seu canal no YouTube e seu blog pessoal. Em seu blog – que infelizmente foi deletado, assim como quase todo o material que ela havia postado no YouTube –, Sachsida defendia teses, digamos, extravagantes. Em 2017, causou furor um vídeo seu em que justificaria a diferença de salários entre homens e mulheres dizendo que “não tem tanta mulher genial”. O suposto vídeo, infelizmente, não está mais entre nós. Outra tese defendida por Sachsida é que se cobrasse um imposto único de igual valor sobre todos os brasileiros. Isso significa que tanto um bilionário, como o performático Luciano Hang, quanto uma dona Maria, ganhadora de um salário mínimo, pagariam todo ano o mesmo valor, a mesma quantia, o mesmo montante de imposto por ano. Dividindo a arrecadação do governo federal no ano passado pela população do país, o valor a ser pago seria de R$ 7 mil. A monstruosidade em termos de distribuição de renda da implementação de um imposto desse tipo seria inominável. Seria agradável – e módico – para os ricos. Seria, literalmente, a miséria, a fome e a humilhação para os mais de 55 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Esses 55 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 406 por mês, o que dá uma renda anual de R$ 4.872. Ou seja, se passassem o ano todo sem gastar literalmente um único centavo, ainda deveriam mais de R$ 2 mil para o governo. Achou a ideia um completo disparate? Nós também. Acha que é mentira, que nenhum economista defenderia tal coisa? Achou errado. Neste vídeo, Sachsida defende essa tese sem qualquer pudor. Nos vídeos do YouTube que sobreviveram ao expurgo pós-vitória, Sachsida apresenta seu credo econômico, que tem grande influência sobre as ideias e palavras mal conectadas proferidas por Bolsonaro. Em uma de suas aulas, intitulada “Modernização da Legislação Trabalhista”, de 2017, Sachsida apresenta sua visão sobre o mercado de trabalho, na teoria e na prática. Defende o que ele chama de “modelo americano” do mercado de trabalho. Sua argumentação se baseia em seriados e filmes americanos: “Como funciona a economia americana na maior parte dos contratos? Você já viu um filme americano?… Toda vez que alguém perde o emprego, o que que o cara faz? Pode ver, na cena seguinte aparece o cara com uma caixa de papelão, ele indo na mesa dele colocando os pertences dentro da caixa… e indo embora. Acabou. É isso que acontece. Daí uma semana esse cara que foi mandado recebe um cheque, com o pagamento que faltava para ele receber e acabou. Não tem 13º, não tem férias, não tem absolutamente nada. Então esse é o modelo americano[…] É o seguinte, você foi mandado embora, você não tem direito a nada não, você pega seus pertences coloca numa caixa e vai embora. […] Quando é barato para a empresa te demitir, também é barato para a empresa te contratar. Quando você coloca poucas regras para a empresa cumprir, essa empresa não vai ter medo de te contratar. Porque se ela contratar e contratar mal, ela demite o cara sem custo nenhum”. A carteira

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Demanda chinesa por soja ligada a 223 mil hectares de desmatamento no Brasil

Uma fazenda de soja no Mato Grosso vista de cima (Image: Sentinel Hub) A importação de soja brasileira pela China pode estar ligada a duas Nova Yorks de desmatamento no Brasil, ou 223 mil hectares, entre 2013 e 2017. O número é resultado de um levantamento inédito sobre a cadeia produtiva da soja exportada pela China feita pela Trase, plataforma global independente que monitora cadeias produtivas de commodities. Para calcular a exposição da soja comprada pela China ao desmatamento, a Trase multiplicou o total de desmatamento relacionado a soja nos locais que produzem para exportar para a China pela proporção da soja produzida nessas áreas que foi efetivamente comprada pelos chineses. Os números fazem da China o país importador mais exposto ao risco de desmatamento, segundo a Trase. Mas isso só ocorre porque são também os chineses os maiores compradores da soja brasileira. No período de 2013 a 2017, a China comprou 42% da produção nacional de soja — quase três vezes o volume compraod pela União Europeia. “A China é o principal comprador e realmente promove alterações de grandes regiões no Brasil”, afirma André Vasconcelos, pesquisador da América Latina da Global Canopy, responsável pela Trase junto com o Stockholm Environment Institute. O Brasil plantou três Holandas de soja, ou 128.600 quilômetros quadrados, para entregar as 54 milhões de toneladas compradas pela China em 2017. No ano passado, a importação cresceu ainda mais, para 84 milhões de toneladas. Desmatamento localizado Embora a soja exportada para a China venha de mais de 2 mil municípios pelo Brasil, o levantamento da Trase mostra que o risco de desmatamento associado a exportações para a China está concentrado em poucas delas, responsáveis por apenas 8% do volume comprado. “Como está bem, concentrado, acreditamos que seja uma oportunidade para a China reduzir esse impacto”, calcula Vasconcelos. O volume com maior risco sai do coração do Matopiba, como é chamada a região composta por quatro estados brasileiros, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O bioma da região, o Cerrado, é o mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil — e também onde mais se expandem as plantações de soja. Entre 2001 e 2017, mostrou o Atlas Agropecuário do Imaflora, a produção de soja no Matopiba cresceu 310%. O risco de desmatamento associado na região é de 80%. O cálculo é feito a partir de dados de produções de commodities, padrões de compra e desmatamento. Por exemplo, se um país compra metade da soja de um município brasileiro onde 800 hectares de desmatamento estão diretamente ligados à produção de soja, o risco de desmatamento de soja para aquela empresa é de 400 hectares, ou 50% do total. Apesar dos riscos associados aos grandes volumes de exportação, a China compra, proporcionalmente, menos soja de lugares com alto risco de desmatamento do que a União Europeia. Isso ocorre porque, enquanto a China compra a maior parte da sua produção da região Sul do Brasil, a Europa concentra suas compras exatamente na região do Matopiba, onde há mais risco. Empresas responsáveis O levantamento feito pela equipe da Trase mostrou, ainda, que apesar de centenas de empresas estarem envolvidas na cadeia produtiva da soja Brasil-China, apenas seis empresas são responsáveis por 70% do volume exportado para a China do Matopiba: Agrex, Amaggi, LD Commodities, Multigrain, Cargill, Bunge e ADM. A COFCO, maior empresa chinesa envolvida na cadeia, também está entre as maiores exportadoras de soja para a China — com 7% do volume exportado. No Matopiba, é responsável por 6% das exportações, sendo a sétima maior exportadora. Em janeiro deste ano, o presidente da COFCO, Jun Lyu, surpreendeu no Fórum Econômico Mundial em Davos ao publicar um artigo em que conclamou a comunidade internacional a unir esforços para combater o desmatamento. Em seu texto, o executivo chamou atenção às vulnerabilidades da cadeia produtiva da soja e à necessidade de proteger o Cerrado brasileiro em especial. “Os esforços contra o desmatamento ganhariam um impulso significativo se mais participantes de mercados emergentes, tanto nos países produtores quanto nos de consumo, ficassem atrás de commodities sustentáveis”, escreveu. “Vamos usar esta oportunidade em Davos para levar esta colaboração à frente”.   Vasconcelos vê uma preocupação crescente entre as empresas chinesas com desmatamento na cadeia produtiva. “Vemos com muito entusiasmo o posicionamento que a Cofco adotou. É importante que o setor se posicione e que trabalhe para combater o desmatamento”, disse. Empresas como a COFCO também estão preocupadas com danos às suas reputações, junto a acionistas e consumidores. Especialistas acreditam que a associação da soja brasileira a este tipo de dano pode impactar o crescimento do Brasil em novos mercados se parceiros deixarem de comprar em razão do risco. Pesquisas mostram que não é necessário desmatar para aumentar a produção. Entre 1991 e 2017, a produção de grãos subiu 312%, enquanto a área plantada, 61%, segundo dados do Observatório do Clima. O uso de áreas já degradadas é uma opção defendida por pesquisadores. Juntas, as áreas degradadas na Amazônia e no Cerrado ultrapassam 30 milhões de hectares. “É mais ou menos o tamanho de uma agricultura brasileira que está abandonada e em processo de degradação”, afirma Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). As consequências  O desmatamento já está provocando alterações no regime de chuvas. Segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprasoja), o Brasil perdeu 11 milhões de toneladas de grãos, algo em torno de R$ 17 bilhões, por conta de eventos climáticos, como chuvas fortes e estiagens longas. Para Assad, o problema é conhecido. Sem florestas em pé, a capacidade de captar e bombear água para atmosfera, a chamada evapotranspiração, diminui drasticamente. As chuvas que vêm da Amazônia vão se diluindo e não chegam ao Cerrado, por exemplo, comprometendo as safras por deficiência hídrica. Chuvas concentradas prejudicam igualmente. A vegetação desmatada também é combustível para a emissão de gases de efeito estufa. Em 2016, o Brasil alcançou o sexto lugar na lista de maiores emissores de gases do mundo. Naquele ano, 51% dos 2.278 bilhões de toneladas emitidas entraram na conta do desmatamento.

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Fumo, uma droga. Literalmente.

Fabricantes de cigarros, sonegadores e contrabandistas serão desmascarados eletronicamente. As fábricas de cigarros, (que produzem uma das drogas mais destruidoras do mundo, e agem como se fossem criadoras de perfumes) estão em pânico. Motivo: a Receita Federal vai instalar nessas indústrias (?) um dispositivo especial de “selos eletrônicos”. Esse dispositivo foi desenvolvido num trabalho conjunto da Receita com a Casa da Moeda. Esse equipamento revolucionário tem capacidade para decifrar o código digital invisível. E será inserido no selo colado nas carteiras de cigarro. Esse selo já é fabricado pela Casa da Moeda mas continua sujeito a falsificações. Duas grandes fábricas já foram submetidas a testes, que funcionaram muito bem. O projeto da Receita é instalar com URGÊNCIA, esse equipamento moderníssimo em 19 fábricas da droga chamada cigarro. Dessa forma a Receita poderá seguir a trajetória dos maços de cigarro, da produção ao último revendedor. Com isso a eficiência da fiscalização, importantíssima. Com a nova tecnologia a Receita localizará, instantaneamente, carregamentos destinados à exportação e que tenham sido desviados. Servirá também para monitorar e acompanhar, cargas transportadas de um estado para outro. Além da evasão de tributos federais é muito grande a sonegação de impostos estaduais. Cigarros e bebidas, (dois crimes contra o cidadão, que é seduzido desde menino pela propaganda e o fascínio de beber e fumar, como se isso fosse demonstração de independência, masculinidade e maturidade) estão, disparados entre os maiores sonegadores. No varejo e no atacado. No caso de bebidas, um medidor de vazão já foi instalado nas fábricas, tendo como resultado imediato aumento na arrecadação. A Receita calcula que a sonegação no setor da droga chamada cigarro alcance o total de 2 bilhões de reais. Que é faturada “por fora”, para satisfação e enriquecimento. Só que a própria Receita considera que essa estimativa é muito pequena. Como são insistentes sonegadores, os fabricantes de cigarros são incansavelmente multados pela Receita. Normalmente essas multas atingem o total de 4 bilhões. Que esses fabricantes da morte pagam com tranqüilidade, pois a diferença entre o que pagam de multa e o que sonegam diariamente, é enorme e proveitosa. A entrada em vigor desse “selo eletrônico” será um festival Wagner para a arrecadação. Pois nem é segredo (já escrevi muito sobre isso) que as multinacionais de cigarros, (TODAS SÃO) são campeões não só de sonegação mas de contrabando. Existem informações provadas e comprovadas que essas multinacionais de cigarros são donas ou sócias majoritárias de fábricas instaladas em países vizinhos, como Paraguai e Uruguai. Essas empresas gritam que são vítimas de contrabando praticado pelos chamados “sacoleiros”. Ora, o contrabando é tão grande que não cabe nem caberia na bagagem desses pobres “contrabandistas”. Esses miseráveis cidadãos que vivem de atravessar a fronteira em Ciudad Del Este, são ludibriados e acusados injustamente. Esse “contrabando”, quase sempre é produzido e vendido aqui mesmo, sem nota nem imposto. Esses SONEGADORES, falsamente acusam os outros do CONTRABANDO que praticam, querem até desmoralizar a Justiça, pedindo INDENIZAÇÃO MORAL. Com essa providência, a Receita Federal jogou os fabricantes de cigarros na vala comum dos criminosos. Os que asfixiam a população e querem asfixiar também a ARRECADAÇÃO.

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“Estados-nação são rígidos demais para problemas de hoje”

Fronteira dos EUA com o México: para autor, precisa-se de novas instituições, em substituição ao Estado. Mundo afora, fala-se em crise de representatividade nas democracias e problemas estruturais do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, como a concentração de renda e o entrave ambiental. Apesar da delicadeza dessas questões, as soluções fora do script não costumam ser bem-vindas nos fóruns mais respeitados. Mas foi justamente essa ousadia que tiveram os economistas Eric Glen Weyl, pesquisador da Microsoft, e o jurista Eric Posner, da Universidade de Chicago, autores do livro Mercados radicais: deslocar o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa. O livro gerou debates acalorados nos EUA no ano passado. Na argumentação dos autores, quase todos os alicerces do atual modelo político-econômico são colocados em xeque: do Estado-nação, que seria incapaz de dar conta de problemas transfronteiriços, à propriedade privada, responsável, segundo eles, pela concentração de poder e aniquilamento da concorrência. Engana-se porém, assegura Weyl, quem pensa tratarem-se de ideólogos da esquerda. As propostas apresentadas visam à radicalização do capitalismo, diz o autor, que esteve no Brasil neste mês para apresentar o livro em importantes polos de pensamento do país. Entre eles, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, centro de formação do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, cujas ideias defendidas são alvo de fortes críticas de Weyl, ex-professor da Universidade de Chicago, onde Guedes fez mestrado e doutorado DW: Por que você acredita que o atual modelo econômico é incapaz de garantir a livre concorrência? Eric Glen Weyl: A maior parte do valor no mundo moderno vem do que os economistas chamam de “efeitos de rede”. A ideia é que quando todos nós interagimos juntos em modelos como cidades ou plataformas digitais, podemos criar mais valor juntos do que o total que cada um poderia alcançar separadamente. Tais sistemas naturalmente levam ao monopólio e à desigualdade se forem tratados como propriedade privada. Eles criam o monopólio porque um indivíduo recebe o poder de ditar como o sistema deve funcionar a todos nós que criamos o valor. E geram desigualdade porque se apropriam desse valor coletivo e o canalizam para um pequeno grupo de capitalistas e empreendedores. Se queremos realmente restaurar a concorrência e os mercados, precisamos superar esse modo individualista de pensar sobre o valor social que criamos nas redes. Se o “fundamentalismo de mercado” não assegura o crescimento econômico e leva à concentração, por que a defesa desse modelo ainda é tão poderosa no debate público? O problema fundamental é que todos sabem que os mercados e a democracia alimentaram um crescimento sem precedentes e que as economias socialistas planificadas fracassaram em grande parte. Nesse contexto, é tentador dizer apenas que o capitalismo e as democracias baseadas no modelo Estado-nação, tal como existem hoje, resolverão todos os nossos problemas. A dificuldade é que as pessoas estão confusas sobre quais aspectos do sistema de mercado tiveram sucesso e quais, ao contrário, inibiram o crescimento. Em particular, enquanto a flexibilidade e o dinamismo dos mercados, associados à a capacidade de resposta das democracias, foram cruciais para o crescimento das economias modernas, a propriedade privada herdada do feudalismo e o foco historicamente arbitrário nos Estados-nação impediram a mudança necessária para um futuro mais dinâmico. A inovação social é tão importante quanto a inovação tecnológica para criar um futuro sustentável e progressivo, uma lição que muitos esqueceram. Um pilar de sustentação do modelo econômico proposto em seu livro é a tributação proporcional à renda e ao valor do patrimônio. No Brasil, analistas liberais costumam classificar a proposta como intervencionista. Eles alegam, ainda, que tais medidas geram a fuga de investimentos. O problema é que a maioria dos impostos tem sido historicamente administrada e aplicada por Estados-nações, mas não precisam ser. Utilizando um exemplo incomum, muitas pessoas religiosas taxam a si próprias e pagam esses dízimos para uma instituição religiosa. Há “impostos” embutidos em muitas plataformas de criptomoedas e blockchainque pagam o funcionamento de suas operações. Nós propomos sistemas para alocar a receita de impostos que não exigirão muita burocracia estatal – se é que haverá alguma. O argumento da fuga de investimentos é confuso. O investimento é impulsionado por três fatores: a oportunidade disponível, a flexibilidade para buscar essa oportunidade e a fração do retorno que é possível manter. Enquanto este último terá uma ligeira redução sob este imposto, é de longe o menos importante. Os dois primeiros irão se expandir drasticamente à medida que os bens públicos que criam oportunidades de investimento, como pesquisa fundamental e infraestrutura social, expandirem-se em larga escala. O imposto, ao tornar a propriedade muito mais flexível, facilitará demais os investimentos. Compare a Escandinávia, que tem um ambiente de investimento extremamente flexível, com bens públicos robustos e uma tributação alta sobre os retornos do investimento, com países africanos que têm baixos impostos, mas muita burocracia e interesses entrincheirados. Creio que a maioria dos países preferiria ser como a Escandinávia. No Brasil, a equipe econômica do atual governo e analistas do mercado financeiro repetem que a aprovação de reformas liberais, nos moldes daquelas implementadas no Chile, é essencial para a retomada do crescimento econômico. Eles têm razão? A proposta original do economista Arnold Harberger para o Chile não foi o aconselhamento que os economistas de Chicago deram a Augusto Pinochet. Foi a proposta tributária que ele fez ao governo democrático no início dos anos 1960, o mesmo imposto que agora estamos propondo para ir além da opressão da propriedade privada. Esta é a reforma de Chicago que o Brasil mais precisa agora, e não ideias que foram colhidas da tradição de Chicago por um ditador que estava trabalhando de perto com as poucas famílias que controlam negócios no Chile. O futuro que queremos para o Brasil é de dinamismo e mercado, não o capitalismo de compadrio. O livro critica a “zona de conforto” das instituições face o progresso tecnológico. Que tipo de mudanças são mais urgentes e qual é a sua alternativa proposta para substituir o modelo estabelecido de Estado-nação? Os Estados-nação são

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Toda criação está carregada de destruição – De Marx ao Uber

CHINESES, ROBÔS E A ‘UBERIZAÇÃO’ DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: DIGA ADEUS ÀS FÉRIAS E AO 13° UMA DAS GRANDES maravilhas do capitalismo é a inovação. Inovar significa, de maneira simples, criar algo novo ou fazer algo velho de uma nova maneira. E nisso o capitalismo é craque. Talvez dois mais importantes economistas políticos que analisaram o fenômeno da inovação foram o alemão Karl Marx (escudado por vezes por seu amigo Friedrich Engels) e o austríaco Joseph Schumpeter No Manifesto de 1848, numa das passagens mais famosas do texto, Marx e Engels afirmam: “A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas”. Enquanto as sociedades baseadas em outros modos de produção se caracterizavam pela estabilidade das relações econômicas e sociais, o capitalismo é marcado pela revolução permanente. E é essa instabilidade que permitiu que a burguesia realizasse em poucos séculos de domínio maravilhas maiores que “as pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas”. N’O Capital de 1867, Marx volta a mostrar seu alumbramento com as inovações, no capítulo 13, intitulado “Maquinaria e Grande Indústria”. Mas o tema perpassa todo seu sistema. No modelo de Marx, o capitalista busca aumentar a massa de mais-valor que extrai de seus trabalhadores. Se estamos em um mundo de produtos idênticos – camisas brancas, por exemplo –, o capitalista pode aumentar seus lucros fazendo seus operários trabalharem por mais horas que a concorrência (mais-valor absoluto), ou fazer com que seus trabalhadores produzam mais mercadorias em menos tempo (mais-valor relativo). Para Marx, a dificuldade estava no mais-valor relativo. Para produzir mais em menos tempo, são necessárias novas máquinas e equipamentos, novas formas de comunicação, de transporte, de organização da produção, novos sistemas de logística etc. O capitalista que conseguir criar ou fazer uso dessas inovações terá uma maior taxa e uma maior massa de lucro, conquistando cada vez mais participação no mercado. Caminhará para se tornar um dos gigantes do setor. Quem não for capaz – ou não tiver recursos para inovar – será engolido. Aliás, mesmo a empresa líder do mercado – como contam as histórias da Kodak e da Nokia – mostra que a bancarrota está sempre na esquina. Em 1911, na sua obra Teoria do Desenvolvimento Econômico, Schumpeter fez bom uso das teorias de Marx, a partir de uma ótica liberal. Para Schumpeter, a mudança não nasce a partir de modificações nos gostos dos consumidores. Na verdade, são os empresários inovadores que criam novos produtos e “educam” (esse é o termo usado pelo autor) os consumidores sobre sua necessidade. Toda criação está carregada de destruição. Um exemplo pessoal. Nos meus tempos de faculdade, a viagem de ônibus era embalada por música ouvida através de um CD player e, principalmente, um walkman. Eu andava com três ou quatro fitas na mochila, e o mundo parecia bom. Jamais imaginei que um dia, poucos anos mais tarde, haveria uma coisa chamada Ipod – ou o MP3 da feira, seu primo pobre ao qual tive acesso –, no qual cabiam as músicas de todos os CD’s que eu tinha na minha casa (sobrando espaço, aliás). Nós jamais demandamos um telefone celular que fosse também um computador, uma televisão e um Ipod (aliás, o smartphone matou o Ipod de modo lento e cruel). Mas como fica evidente nesses dois exemplos, toda criação está carregada de destruição. O Ipod destruiu o discman, o smartphone destruiu o Ipod. Isso é parte do fenômeno que Schumpeter chamou de “destruição criativa”. O novo produto ou o novo processo destrói o que era velho. Mês passado foi divulgado que, com o fechamento de uma loja na Austrália, há hoje apenas uma única Blockbuster no mundo. Há uma década, eram 9 mil lojas, com pés nos quatro cantos do mundo, no Brasil inclusive. Uma rede literalmente global foi morta por uma inovação: Netflix. Outro exemplo: há poucos anos atrás ter frota de táxis era um ótimo investimento. Para obter uma licença de taxista, o sujeito precisava desembolsar uma pequena fortuna. Hoje qualquer um pode se cadastrar no Uber e operar como táxi. Mas nem tudo são rosas. Muitos são os trabalhadores ao longo da história que sofreram (e sofrerão) com o desemprego derivado de alguma inovação poupadora de mão de obra. No início do século 19, os chamados ludistas destruíram as máquinas que lhes roubavam os empregos. O drama dos trabalhadores instigou os economistas: seria a inovação boa também para os trabalhadores? As condições médias de trabalho no mundo todo têm piorado. Para os marxistas, a resposta seria negativa. Essas inovações, num sistema capitalista, forçariam os salários para baixo, reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores, jogando alguns na miséria, outros no subemprego e muitos em empregos precários. Os liberais, via de regra, respondem essa pergunta afirmativamente. Ainda que a inovação destrua alguns empregos, ela cria fundos que permitem investimentos e aumento da produção que farão com que a região inovadora seja capaz de criar mais vagas de trabalho, que pagam salários maiores. Depois de um começo vacilante, as evidências pareciam corroborar a visão liberal. Os países mais inovadores são os que oferecem mais e melhores empregos. Enquanto países atrasados tecnologicamente têm menos vagas e piores salários. Mas há algumas décadas, desde o início da hiperglobalização após o fim da Guerra Fria, um movimento contraditório vem acontecendo. Com a entrada de mais de 1 bilhão de chineses no mercado de trabalho capitalista – sem contar os de outros lugares –, multidões de trabalhadores de países subdesenvolvidos têm escapado da miséria. Porém, as condições médias de trabalho no mundo todo têm piorado. Nos países centrais, por exemplo, os ganhos de produtividade não parecem se materializar em aumentos de salários (ainda que esse dado seja controverso). Além disso, tem crescido, desde os anos 1970, o número de horas trabalhadas pelos americanos, bem como a proporção daqueles que trabalham mais de 40 horas semanais. Quarenta horas semanais foram uma conquista de trabalhadores ingleses (uma pequena porção, é verdade) ainda em 1889. Um cenário

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Banco do Brics investirá US$ 300 milhões na Rússia

No final de 2019, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) emitirá as primeiras obrigações em rublos, em um valor em torno de 15 a 20 bilhões de rublos (US$ 230 a US$ 300 milhões), segundo uma fonte do jornal russo Izvêstia no banco. Valor será destinado ao desenvolvimento de novos projetos de infraestrutura e proteção do meio ambiente. O Banco Central da Rússia confirmou a informação, e poderá investir os recursos recebidos na construção de novos portos e estradas, bem como em projetos de proteção do meio ambiente e energia verde no território russo. No entanto, segundo os economistas, o NBD não conseguirá atrair o dinheiro facilmente, já que as taxas de seus títulos estarão abaixo do mercado. Brics contra o dólar O NBD decidiu emitir títulos em rublos e começou a preparar o registro do programa de títulos cambiais na Rússia no âmbito da estratégia aprovada pelo Conselho de Administração do Banco, segundo o jornal Izvêstia. “A taxa dos títulos dependerá dos parâmetros específicos de produção e demanda dos investidores. O projeto de emissão de títulos em rublos será o segundo do gênero do NBD, que anteriormente já havia emitido títulos em yuans na China”, disse o representante do regulador russo ao Izvêtia. Além disso, uma vez que o NBD é um banco de desenvolvimento internacional com uma classificação de crédito AA+, a obtenção de uma licença do Banco Central da Rússia para emitir títulos no país não é necessária. Segundo uma fonte do Izvêstia no NBD, o banco decidiu dar mais atenção ao financiamento de projetos em moedas nacionais devido ao aumento dos riscos de bloqueio de contas em moeda estadunidense que pertença a países sob sanções financeiras. Na cúpula do Brics de julho de 2018, já havia sido anunciado que o NBD alocaria um empréstimo no valor de US$ 1 bilhão para projetos de infraestrutura russos em 2019 – referente a construção de novos portos, estradas e empresas de energia. Além disso, parte dos recursos será transferida para as necessidades de proteção ambiental – restauração do meio ambiente urbano e reciclagem de lixo doméstico. Dificuldades O NBD terá que enfrentar diversos problemas ao ingressar no mercado financeiro russo, disse o analista do Centro Financeiro Internacional, Vladímir Rojankovski, ao Izvêstia. O NBD ainda não tem histórico de crédito especificamente na Rússia, assim, é pouco provável que o banco possa tomar empréstimos a taxas favoráveis. Formalmente, as classificações do NBD são muito melhores que as da Rússia, mas, na prática, os investidores do mercado local não comprarão os títulos do banco a preços superiores aos dos títulos soberanos russos, segundo Rojankovski. Além disso, o banco não tem experiência suficiente no mercado local, não pode avaliar os riscos associados às peculiaridades dos negócios russos. Esse problema pode ser parcialmente resolvido com a abertura de uma filial do banco na Rússia, que foi anunciada em abril de 2019, na reunião geral dos participantes do NBD na Cidade do Cabo.

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