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“Estados-nação são rígidos demais para problemas de hoje”

Fronteira dos EUA com o México: para autor, precisa-se de novas instituições, em substituição ao Estado. Mundo afora, fala-se em crise de representatividade nas democracias e problemas estruturais do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, como a concentração de renda e o entrave ambiental. Apesar da delicadeza dessas questões, as soluções fora do script não costumam ser bem-vindas nos fóruns mais respeitados. Mas foi justamente essa ousadia que tiveram os economistas Eric Glen Weyl, pesquisador da Microsoft, e o jurista Eric Posner, da Universidade de Chicago, autores do livro Mercados radicais: deslocar o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa. O livro gerou debates acalorados nos EUA no ano passado. Na argumentação dos autores, quase todos os alicerces do atual modelo político-econômico são colocados em xeque: do Estado-nação, que seria incapaz de dar conta de problemas transfronteiriços, à propriedade privada, responsável, segundo eles, pela concentração de poder e aniquilamento da concorrência. Engana-se porém, assegura Weyl, quem pensa tratarem-se de ideólogos da esquerda. As propostas apresentadas visam à radicalização do capitalismo, diz o autor, que esteve no Brasil neste mês para apresentar o livro em importantes polos de pensamento do país. Entre eles, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, centro de formação do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, cujas ideias defendidas são alvo de fortes críticas de Weyl, ex-professor da Universidade de Chicago, onde Guedes fez mestrado e doutorado DW: Por que você acredita que o atual modelo econômico é incapaz de garantir a livre concorrência? Eric Glen Weyl: A maior parte do valor no mundo moderno vem do que os economistas chamam de “efeitos de rede”. A ideia é que quando todos nós interagimos juntos em modelos como cidades ou plataformas digitais, podemos criar mais valor juntos do que o total que cada um poderia alcançar separadamente. Tais sistemas naturalmente levam ao monopólio e à desigualdade se forem tratados como propriedade privada. Eles criam o monopólio porque um indivíduo recebe o poder de ditar como o sistema deve funcionar a todos nós que criamos o valor. E geram desigualdade porque se apropriam desse valor coletivo e o canalizam para um pequeno grupo de capitalistas e empreendedores. Se queremos realmente restaurar a concorrência e os mercados, precisamos superar esse modo individualista de pensar sobre o valor social que criamos nas redes. Se o “fundamentalismo de mercado” não assegura o crescimento econômico e leva à concentração, por que a defesa desse modelo ainda é tão poderosa no debate público? O problema fundamental é que todos sabem que os mercados e a democracia alimentaram um crescimento sem precedentes e que as economias socialistas planificadas fracassaram em grande parte. Nesse contexto, é tentador dizer apenas que o capitalismo e as democracias baseadas no modelo Estado-nação, tal como existem hoje, resolverão todos os nossos problemas. A dificuldade é que as pessoas estão confusas sobre quais aspectos do sistema de mercado tiveram sucesso e quais, ao contrário, inibiram o crescimento. Em particular, enquanto a flexibilidade e o dinamismo dos mercados, associados à a capacidade de resposta das democracias, foram cruciais para o crescimento das economias modernas, a propriedade privada herdada do feudalismo e o foco historicamente arbitrário nos Estados-nação impediram a mudança necessária para um futuro mais dinâmico. A inovação social é tão importante quanto a inovação tecnológica para criar um futuro sustentável e progressivo, uma lição que muitos esqueceram. Um pilar de sustentação do modelo econômico proposto em seu livro é a tributação proporcional à renda e ao valor do patrimônio. No Brasil, analistas liberais costumam classificar a proposta como intervencionista. Eles alegam, ainda, que tais medidas geram a fuga de investimentos. O problema é que a maioria dos impostos tem sido historicamente administrada e aplicada por Estados-nações, mas não precisam ser. Utilizando um exemplo incomum, muitas pessoas religiosas taxam a si próprias e pagam esses dízimos para uma instituição religiosa. Há “impostos” embutidos em muitas plataformas de criptomoedas e blockchainque pagam o funcionamento de suas operações. Nós propomos sistemas para alocar a receita de impostos que não exigirão muita burocracia estatal – se é que haverá alguma. O argumento da fuga de investimentos é confuso. O investimento é impulsionado por três fatores: a oportunidade disponível, a flexibilidade para buscar essa oportunidade e a fração do retorno que é possível manter. Enquanto este último terá uma ligeira redução sob este imposto, é de longe o menos importante. Os dois primeiros irão se expandir drasticamente à medida que os bens públicos que criam oportunidades de investimento, como pesquisa fundamental e infraestrutura social, expandirem-se em larga escala. O imposto, ao tornar a propriedade muito mais flexível, facilitará demais os investimentos. Compare a Escandinávia, que tem um ambiente de investimento extremamente flexível, com bens públicos robustos e uma tributação alta sobre os retornos do investimento, com países africanos que têm baixos impostos, mas muita burocracia e interesses entrincheirados. Creio que a maioria dos países preferiria ser como a Escandinávia. No Brasil, a equipe econômica do atual governo e analistas do mercado financeiro repetem que a aprovação de reformas liberais, nos moldes daquelas implementadas no Chile, é essencial para a retomada do crescimento econômico. Eles têm razão? A proposta original do economista Arnold Harberger para o Chile não foi o aconselhamento que os economistas de Chicago deram a Augusto Pinochet. Foi a proposta tributária que ele fez ao governo democrático no início dos anos 1960, o mesmo imposto que agora estamos propondo para ir além da opressão da propriedade privada. Esta é a reforma de Chicago que o Brasil mais precisa agora, e não ideias que foram colhidas da tradição de Chicago por um ditador que estava trabalhando de perto com as poucas famílias que controlam negócios no Chile. O futuro que queremos para o Brasil é de dinamismo e mercado, não o capitalismo de compadrio. O livro critica a “zona de conforto” das instituições face o progresso tecnológico. Que tipo de mudanças são mais urgentes e qual é a sua alternativa proposta para substituir o modelo estabelecido de Estado-nação? Os Estados-nação são

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