Os sem rio da Amazônia

Em uma casa simples, sem reboco... Clique para ler mais

Amazônia,Meio Ambiente,Rios,Ecologia,Energia,Hidroelétricas,Brasil,BlogdoMesquitaA vida dos ribeirinhos que resistem às margens dos rios da Bacia do Teles Pires em uma das regiões mais impactadas por barragens na Amazônia que geram bilhões de dinheiros ao ano.

Matrinxã é o nome do córrego de águas transparentes que cortava o Projeto de Assentamento (PA) Wesley Manoel dos Santos, em Sinop, Mato Grosso. Com menos de dois metros de largura, o curso d’água era o limite natural entre os sítios dos irmãos Daniel e Armando Schlindwein, de 58 e 56 anos, e uma das poucas opções de lazer das 500 famílias do PA.

“É aqui, estamos bem em cima da antiga casa que você visitou”, explica Armando Schlindwein, desligando o barco e apontando uma copa de mangueira em processo de decomposição e semi submersa em um espelho de águas negras.

A paisagem do bucólico riacho deu lugar a um grande lago fétido, um cenário bem diferente do rio de águas transparentes que dividia a terra dos irmãos até 2016. “Precisamos andar 20 quilômetros para ir de uma casa a outra, antes eram poucos metros”, conta Armando enquanto tenta desviar a lancha das copas do que restam de seu antigo pomar.

Além dos impactos irreversíveis na paisagem e a convivência contínua com o mau cheiro, nuvens de mosquitos e cobras, os moradores dos assentamentos afetados pela hidrelétrica lutam pela revisão nas indenizações.

A razão dos atritos foram as propostas de negociação e pagamento pelas terras dos 220 diretamente atingidos para formação do mais novo reservatório da Amazônia, a Usina Hidrelétrica (UHE) Sinop. O consórcio responsável, a Companhia Energética Sinop (CES), propôs às famílias a restituição de cerca R$ 3 mil reais por cada hectare alagado. Muitos moradores afirmam que esse valor é oito vezes inferior ao preço real.

Duas perícias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e uma contratada por peritos da Justiça Federal apontam que o valor seria algo como R$ 24 mil reais o hectare. A região em Mato Grosso é reconhecida por ser uma das mais valorizadas do país, ali está grande parte da produção nacional de grãos, com as famosas lavouras de soja e milho.

Os atingidos que contestam o valor pago pela CES explicam que com o que foi depositado pelos representantes da hidrelétrica, não poderão comprar uma área equivalente. Todos terão que migrar para outras regiões com menos estrutura.

“Indenizaram a todos pelas benfeitorias, mas não deram quase nada pelas plantações. Tinham um tal de caderno de preços que ninguém nunca entendeu. Não era só um pé de limão e mexericas, era meu esforço diário que não foi considerado nas anotações deles”, explica Odarilho Gomes, 64 anos, o Bigode, como é conhecido o produtor familiar que há duas décadas está no assentamento Wesley Manoel dos Santos.

Em uma casa simples, sem reboco e coberta por telhas de amianto, Bigode aguarda o dia em que os moradores recuperem o que a água tomou. Terminar a casa é a expectativa para deixar algum bem para a filha, Claudia Gomes, de 21 anos.

“Criei ela sozinho. Quando anunciaram a liberação do loteamento caminhamos por 28 quilômetros dos barracos de lona, na estrada, até os lotes. O início foi muito sofrido. Nós não tinha estrada, luz, nada. As dificuldades eram grandes, minha esposa não quis ficar, foi embora e deixou a menina comigo. Todos os dias foram de suor e muito trabalho para construir o pouco do que está lá de baixo d’água”, conta.

Bigode está entre os 307 que aceitaram a oferta inicial da CES. Apenas um ficou sem receber nada. “Todo mundo assinou para pegar a primeira indenização. A pressão foi muito forte. No dia quase tive um infarto. Mas sabemos que a terra vale umas três vezes mais, acho, no mínimo. Estamos lutando por essa revisão na justiça”.

Os representantes da Companhia Sinop Energia (CES) informaram que muitas das indenizações foram negociadas de forma individual e confidencial – entre a empresa e o interessado. As indenizações pagas foram calculadas seguindo os preceitos técnicos estabelecidos pela seu departamento de Engenharia de Avaliações, como as recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)/NBR 14.653-1:2001 e NBR 14.653-3:2004.

Segundo a CES, especificamente para a UHE Sinop, a referência foi o “Caderno de Preços”, com amostra composta por 66 imóveis pesquisados na região, considerando cinco variáveis para determinação do preços da terra nua, ou seja, acessibilidade, manejo da propriedade, vocação de exploração, área interferida e mês.

Além dos assentamentos muitas fazendas foram impactadas pelas águas da hidrelétrica. Das 314 propriedades que tiveram áreas interferidas pelo empreendimento, 229 foram negociadas amigavelmente, mas 85 fazendeiros recusaram aceitar os valores ofertados.

Lucros internacionais

Ao longo dos 1457 quilômetros do rio Teles Pires foram erguidos quatro barramentos para geração de energia. Desde 2010 a paisagem da região sofre uma intensa transformação, as principais corredeiras e saltos de pedras do Teles Pires foram lentamente engolidos para produzirem algo como 3.2 GW hora. Esse energia é enviada ao Sistema Interligado Nacional (SIN), que a distribui para todo o Brasil segundo as demandas do Operador Nacional do Sistema (ONS).

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é o regulador dessa estrutura, administrada pelo Ministério das Minas e Energia. Segundo a Aneel, não há nenhuma ligação entre as empresas responsáveis pelas quatro hidrelétricas do rio Teles Pires.

por Juliana Arini – Reportagem realizada com apoio do Rainforest Journalism Fund em associação com o Pulitzer Center”

Share the Post:

Artigos relacionados