Sete anos é o tempo máximo que um soldado pode permanecer no Exército quando ingressa por meio do serviço obrigatório. O que tem ocorrido na divisão de engenharia militar, no entanto, é que poucos oficiais têm concluído esse ciclo. Antes disso, a maioria troca a farda pela iniciativa privada, atraída por melhores salários.
“Às vezes ouvimos algumas reclamações de que o Exército estaria tirando parte das obras do setor privado.
A realidade é que essa mesma indústria vem aqui nos quartéis atrás de nossos soldados”, diz o major Marcelo Souza Lima, comandante do destacamento em Goiana, município situado a 70 km de Recife.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]
Com apoio de instituições como Senai e Senat, os militares têm realizado cursos técnicos nos alojamentos. Quem faz os cursos como os de laboratorista e topografia recebe certificado no final.
“O soldado se tornou um alvo cobiçado pela indústria da construção civil, principalmente depois dessa explosão de demanda em infraestrutura”, afirma o coronel Osmar Nunes, adjunto do centro de operações do primeiro grupamento de engenharia de construção.
“Somos assediados o tempo todo, estamos brigando para segurar o soldado. Você investe quatro anos em um soldado, que se torna um excelente operador de máquina. Vem um engenheiro de empresa aqui e leva na hora, não temos como segurar”, conta Nunes.
A saída dos garotos antes dos sete anos não é encarada exatamente como um problema. A decisão, segundo os militares, é vista como uma colaboração social. A consequência, no entanto, é o atraso nas obras assumidas pelas Forças Armadas. “É preciso considerar que esse aprendizado tem um custo adicional para nós.
Quando um soldado sai, precisamos treinar outro do zero”, afirma o tenente-coronel Marcelo Guedon, do batalhão de engenharia de Cabrobó.
As marcas do treinamento estão bem gravadas nas latarias de tratores, caminhões e motoniveladoras usadas nas obras. “É claro que nossas máquinas são bem mais amassadas que as de uma empresa privada, mas esse é outro custo que temos que absorver, afinal nosso garoto está aprendendo”, diz Guedon.
Hoje, o Exército toca obras em oito aeroportos da Infraero, projetos que somam investimentos de R$ 169,3 milhões. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que atualmente administra 1.080 contratos de obras no país, tem 12 contratos nas mãos dos militares. Dos R$ 41 bilhões de contratos relacionados a obras em estradas, o Exército executa R$ 1,1 bilhão, o que equivale a 2,5% do total.
Nas obras de transposição do rio São Francisco, onde os contratos administrados pelos militares somam cerca de R$ 300 milhões, a missão é entregar 2 km de canais, de um total de 402 km em construção no Eixo Norte, além de uma barragem. No Eixo Leste, os soldados trabalham em uma barragem e nos primeiros 6 km, dos 220 km que formarão o canal.
O preço final dessas obras chega a cair 20% em relação ao que seria cobrado pela iniciativa privada, uma vez que não há custo direto relacionado à mão de obra. A produtividade militar, no entanto, é bem menor que a de uma companhia da construção civil, o que não significa que haja espaço para improvisos.
Com o dedo apontando para uma tabela na parede, Lima detalha as especificações técnicas que são usadas na produção do asfalto. “Isso é a nossa bíblia, o soldado tem que seguir à risca o que está aqui. É o nome do Exército que está por trás dessas obras.”
Entre os poucos soldados que trabalham há mais de quatro anos no quartel de Goiana, está Francisco Clailton dos Santos, de 23 anos.
Operador de uma máquina vibroacabadora, com salário mensal de R$ 1 mil, ele conta que está guardando dinheiro para se casar. A mulher mora no Piauí. Santos gosta de sua rotina, mas não esconde o interesse em ir para a iniciativa privada. “Ainda não recebi o convite de uma empresa, mas tenho vários amigos que já foram. Logo devo sair também”, diz.
No mesmo batalhão, Elievelto Edmar da Silva, chefe de obras em campo, conta que está nos últimos dias de sua missão militar. Ele, que completou 25 anos, se especializou na coordenação de máquinas pesadas. “Lá fora estão pagando R$ 3 mil para um chefe de obras”, diz Silva. “Chegou minha hora de sair.” (AB)
Ruy Baron/Valor