A incrível saga da propina numa só linha do Metrô de São Paulo.
Delator descreve esquema que distribuiu cerca de 20 milhões de reais em recursos ilícitos
Diretores, deputados, TCE e até Serra teriam recebido dinheiro por obras de 320 milhões
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Gandolfo conta em seu depoimento que assumiu o contrato dos lotes dois e três da linha no início dos anos 2000. O contrato existia desde 1992, mas nunca havia sido implementado, pois o Governo do Estado afirmava não ter dinheiro para as obras. Havia, no entanto, uma cláusula que determinava que, se a construção não se iniciasse no prazo de seis meses após a assinatura do acordo, ele poderia ser extinto.
Para que isso não ocorresse, esse contrato precisava passar por aditamentos. É neste momento que se inicia o primeiro episódio de corrupção. Para que o Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão responsável por fiscalizar a lisura da aplicação do dinheiro público em São Paulo, não contestasse os aditamentos, o delator conta que havia um “compromisso” de pagamento, na ordem de 0,9% do contrato. Quando questionado se esse compromisso indicava “propina”, ele confirma que sim.
Em 2003, houve a decisão por parte do governador Geraldo Alckmin de ampliar a linha Verde. E, com isso, decidiu-se colocar em prática a obra acordada com a Odebrecht. E, neste momento, se inicia o segundo episódio de corrupção, segundo o delator. “Um pouco antes de começarem as obras, o presidente do Metrô na época, Luiz Carlos Frayze David, me convocou para uma reunião no gabinete dele.
Disse que ele precisava de um apoio político nosso para um grupo de deputados, para que não tivesse pressão da assembleia contra esse contrato. Porque, vamos convir, que ficar com um projeto por dez anos em stand by[espera] é um negócio discutível. Por que não fazer nova licitação? Porque vai perder tempo. Mas é discutível”, afirma ele.
Na mesma reunião, descreve Gandolfo, Frayze David teria pedido ainda um outro valor. Ou seja, o terceiro episódio de corrupção no mesmo contrato. “Ele disse que precisava de um apoio da área operacional do Metrô”, conta. “Como a gente não ia fazer a linha inteira (…) .seria preciso fazer uma análise e um planejamento operacional. E, para isso, precisaria envolver a área de operação do Metrô, que é uma área muito forte, rigorosa.
Ele pediu para designar 0,5%, que seria entregue ao diretor de Operações do Metrô, Décio Tambelli”, ressalta.Tambelli ganhou na planilha o codinome Bragança e recebeu em seu escritório, segundo o delator, um valor aproximado de 1,5 milhão de reais. Ainda segundo o delator, um quarto episódio de corrupção ocorreu neste contrato: seria necessário fazer um ajuste contratual, devido às mudanças necessárias no projeto.
Para isso, teria dito o ex-diretor do Metrô, seria necessário entregar mais 0,5% do valor contrato para Sérgio Brasil, que liderava o setor de contratação, que ganhou o codinome Brasileiro e uma quantia também próxima a 1,5 milhão de reais, entregues em restaurantes de São Paulo.
O depoimento faz parte de uma das petições de Fachin, que inclui a fala de outros executivos da Odebrecht que confirmam as propinas. O ministro pede que o caso seja encaminhado para a avaliação da Procuradoria da República em São Paulo, já que envolve pessoas que não teriam foro privilegiado no STF, com exceção de Serra, que é senador e deve ser investigado em um inquérito separado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Se a investigação sobre as irregularidades nas obras do Metrô for autorizada, ela será feita pelo Ministério Público Federal de São Paulo, que afirma que ainda não tem novidades concretas no momento sobre o caso.
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos, responsável pelo Metrô, diz que a empresa tem “rígidos controles sobre seus contratos”. “A empresa mantém firme compromisso com a sociedade para oferecer serviços cada vez melhores e processos de contratação permanentemente transparentes”, ressaltou, em nota. “Todos os contratos de todos os lotes e todos os aditivos da linha 2 foram julgados regulares pelo Tribunal de Contas do Estado.”
O TCE, por sua vez, diz que reitera sua “disposição de prestar todas as informações que se fizerem necessárias para o esclarecimento de quaisquer fatos”. “O TCE determinou o levantamento da situação de todos os processos referentes aos contratos citados. O relatório com essas informações estará disponível, de forma transparente, a todas as autoridades competentes e a quem possa interessar.”, ressaltou o órgão, também em nota.
O ex-deputado Rodrigo Garcia, atual Secretário da Habitação do Governo de Geraldo Alckmin, afirma que a delação é um “relato mentiroso e falso”, “uma suposta citação de uma terceira pessoa (e não do delator), que foi negada por essa pessoa. “Jamais solicitei, ou autorizei que solicitassem em meu nome, recursos irregulares”, disse ele, por meio de uma nota.