Alunas de escolas públicas, estudantes Juliana Davoglio Estradioto e Ekarinny Myrela Brito de Medeiros desenvolveram com poucos recursos inovações nas áreas ambiental e médica. Suas pesquisas foram reconhecidas nos EUA.
Juliana sempre estudou em escolas públicas e desenvolveu suas pesquisas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RS, em Osório
Em 2016, a tia da estudante Ekarinny Myrela Brito de Medeiros morreu em decorrência de uma infecção sanguínea ocasionada por um cateter utilizado num procedimento de hemodiálise.
“Minha tia poderia ter falecido de outras maneiras por causa da sua doença renal, mas foi um cateter que acabou levando-a à morte”, diz Ekarinny. “Isso me fez pesquisar sobre infecções e descobri que não existia um cateter com propriedades antimicrobianas. Pensei em produzir eu mesma um cateter bioativo capaz de prevenir infecção de corrente sanguínea.”
Na realidade, Ekarinny tentou solucionar dois problemas de uma só vez: como matéria prima para um cateter bioativo, a garota utilizou o líquido da castanha de caju, um resíduo agroindustrial que costuma ser descartado.
Após um ano de pesquisa, o cateter bioativo feito da castanha de caju se tornou realidade e, no dia 18 de maio, o experimento da Ekarinny ganhou dois prêmios na feira internacional de ciência e engenharia Intel ISEF, ocorrida nos Estados Unidos: um primeiro lugar na categoria Patent and Trademark Office Society e um quarto lugar em Translational Medical Science.
Realizada desde 1950, a Intel ISEF é a maior feira científica do mundo para estudantes que ainda não chegaram ao ensino superior. Cientistas ganhadores do Nobel estão entre os jurados.
“Quero patentear minha invenção, já que o cateter bioativo pode ser produzido em larga escala e comercializado com baixo custo – ele custa apenas 10 centavos – e com o aproveitamento de um resíduo industrial brasileiro”, explica Ekarinny, que desenvolveu sua pesquisa no quintal de casa porque sua escola, a E.E. Prof. Hermógenes Nogueira da Costa, na periferia de Mossoró, interior do Rio Grande do Norte, não tem laboratório.
Ekarinny começou sua pesquisa depois de uma morte por infecção na família
“Pensava que primeiro lugar era impossível”
Na Intel ISEF 2019, a delegação brasileira foi a mais premiada da América Latina e a décima mais premiada dos 81 países participantes.
O maior prêmio para o Brasil foi o de Juliana Davoglio Estradioto, de 18 anos, do Rio Grande do Sul, que conquistou o primeiro lugar na categoria Materials Science por ter desenvolvido uma embalagem biodegradável feita a partir dos resíduos agroindustriais da noz macadâmia. A estudante é a primeira do país a conquistar o prêmio.
“Utilizo o resíduo da macadâmia como se fosse um alimento para micro-organismos que produzem este material biológico, umas membranas”, explica a jovem pesquisadora. “Essas membranas são incríveis, pois são multifuncionais: é um material que poderia ser aplicado desde a área biomédica, como alternativa aos plásticos, até como matéria-prima para roupas. Também há pesquisas que investigam sua utilização como veias artificiais para o corpo humano.”
Esta foi a terceira vez que Juliana foi selecionada para participar na ISEF. “Em todas as vezes, pensava que era impossível ganhar o primeiro lugar, pois apenas 2,5% dos projetos ganham esse reconhecimento”, comenta a gaúcha, que na edição de 2018 ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, ao apresentar a confecção de um plástico biodegradável feito a partir da folha do maracujá e que pode ser utilizado no campo, para embalar mudas de plantas.
Juliana, que sempre estudou em escolas públicas, desenvolveu suas pesquisas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, campus de Osório, cidade com cerca de 40 mil habitantes, no litoral do estado.
Desde 2015, as descobertas da jovem ganharam mais de 40 prêmios e menções honrosas, sendo que ele receberá um dos prêmios somente no final do ano, quando se tornará a primeira estudante brasileira a ser selecionada para acompanhar a cerimônia de entrega do Nobel.
“No Brasil se faz pesquisa, sim”
Ekarinny desenvolveu todas as suas pesquisas enquanto era aluna da rede pública do Rio Grande do Norte. “A minha professora de biologia, Luísa Kiara, sempre nos incentivou e nos capacitou para a pesquisa científica”, conta, acrescentando que, apesar de a escola não ter boa estrutura física, “os professores e a direção da escola fazem a diferença. Por causa deles, meu ensino foi bom”.
A primeira vez que uma pesquisa de Ekarinny foi premiada foi em 2016, na Feira de Ciências do Semiárido Potiguar, feira estadual para estudantes do sertão semiárido, por ter desenvolvido uma embalagem biodegradável feita da folha seca do cajueiro. De lá para cá, a jovem conquistou outros 32 prêmios.
Um desses prêmios foi uma bolsa de pesquisa do CNPq, no valor de R$ 100 mensais, com duração de um ano, recurso que Ekarinny usou para ajudar no desenvolvimento do cateter bioativo. “Essa ajuda foi boa, mas não vejo R$ 100 como um incentivo à pesquisa ou o suficiente e nem o mais importante para eu me dedicar aos meus estudos”, pondera.
“Faz cinco meses que minha mãe faleceu, então o meu prêmio na ISEF 2019 foi mais do que vencer, significou não desistir dos meus sonhos, ter algo a que me apegar na dificuldade”, afirma Ekarinny. “Além disso, esse reconhecimento internacional é a prova de que estudante de escola pública pode ser o que quiser ser, chegar aonde quiser chegar.”
Apesar de estudar num instituto federal de ensino de qualidade, a trajetória de pesquisa de Juliana também não foi fácil. “Quando comecei a pesquisar, usava o laboratório de pães do meu campus do IFRS, que ficava embaixo do auditório do instituto”, lembra a gaúcha, que tinha que viajar para uma cidade vizinha para testar a sua descoberta com os resíduos da macadâmia porque o laboratório da sua escola não tinha os equipamentos necessários.
“Agora há uma sala separada para as pesquisas no instituto, mas os recursos são poucos e dá para contar nos dedos da mão a quantidade de equipamentos que há nesse laboratório. Muitas vezes comprei reagente para a pesquisa do meu próprio dinheiro”, diz Juliana. “Apesar disso, no Brasil se faz pesquisa, sim”, defende a gaúcha, que sonha um dia ganhar o Prêmio Nobel.