Dallagnol virou Procurador ilegalmente e teve que ‘brigar’ na Justiça para se manter no cargo com a ajuda do pai.
É, tenho, sim, enroscado com o Ministério Público Federal, como vocês sabem. É aquele ente que celebrou aquele magnífico acordo com o ex-bandido e ex-criminoso Joesley Silva. Essa turminha, em regra, não gosta muito das leis que temos. Prefere aquelas que têm na cabeça. E, se preciso, opta por atalhos nem sempre muito claros. Eis que descubro que a Vigínia Lane do MPF, a sua maior vedete, ao se tornar procurador, o fez por caminhos nada ortodoxos, contrariando a lei. Refiro-me a Deltan Dallagnol.
“Como, Reinaldo? Aquele que se apresenta como o Torquemada dos políticos e o Savonarola dos procuradores ingressou no MPF na contramão da lei?” Sim. Seu pai, Agenor Dallagnol, procurador de Justiça aposentado do Paraná, foi seu advogado na causa e, ora vejam, foi surpreendentemente bem-sucedido no pleito. Vamos ao caso.
1: Dallagnol colou grau, como bacharel em direito, no dia 6 de fevereiro de 2002;
2: segundo o Artigo 187 da Lei Complementar nº 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União), só podiam se inscrever para prestar concurso “bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade moral”. NOTE-SE: a Emenda Constitucional 45, que é de 2004, elevou esse prazo para três anos;
3: Mas vocês sabem como é Dallagnol… Ele é um rapaz apressado. Seu Twitter prova isso. Vive pedindo a prisão de pessoas que nem denunciadas foram. Aproveitou a circunstância de que seu pai era um procurador aposentado do Ministério Público do… Paraná e, ORA VEJAM, CONSTITUIU-O COMO ADVOGADO E ENTROU COM UM RECURSO PARA PRESTAR O CONCURSO EM 2002, MESMO ANO EM QUE COLOU GRAU, AINDA QUE A LEI O IMPEDISSE. Que dois anos que nada! Isso era para os mortais!;
4: e, acreditem!, ele conseguiu, sim, uma liminar na Justiça Federal do Paraná para participar do concurso. Por quê? Não tentem saber! É impossível!;
5: sim, ele foi aprovado no concurso de 2002;
6: em 2003, já começava a exercer as funções de procurador no Tribunal de Contas União, com nomeação publicada no Diário Oficial;
7: a Advocacia Geral da União recorreu contra a flagrante ilegalidade. O que fez o juiz relator do caso, em 2004, no Tribunal Regional Federal da Quarta Região? Empregou a teoria do fato consumado, o que acabou sendo confirmado pela turma;
8: o recurso chegou ao Supremo, e decisão monocrática manteve Dallagnol no MPF; a AGU não recorreu;
9: a “teoria do fato consumado” em matéria de concurso público, sempre repugnou os juízes; em 2014, o STF bateu o martelo: não pode e pronto!;
10: sic transit gloria mundi…Fazer o quê? Fico aqui pensando o que diria Dallagnol se fosse um adversário seu a viver tal circunstância…
Sim, tenho aqui alguns documentos da coisa. Não deixam de ter a sua graça. Trecho do acórdão do TRF 4, como vocês podem ler abaixo, não se constrange em dizer que seria uma aberração anular a nomeação de Dallagnol depois de empossado. O relator, no caso, foi o então desembargador federal Valdemar Capeletti. Veja trecho.
Novo recurso da União foi negado pelo tribunal, ainda que ali fique patente a ilegalidade da participação de Dallagnol no concurso. Vejam:
Mas, ora vejam, a desembargadora Marga Inge Barth Tessler não acata o recurso da União porque esta, diz, não respondeu à questão do fato consumado. Pois é… Por esse princípio, vamos longe. Há as leis, incluindo a Lei Maior, a Constituição, e Sua Excelência o fato consumado. Ocorre que o tal fato consumado dependeu, na origem, de uma liminar destrambelhada. Vejam o trecho. Bem, se a desembargadora diz que nada pode contra o fato consumado, a argumentação da União nesse sentido seria inútil.
Eis aí. Esse foi o primeiro passo relevante da carreira de Dallagnol, o procurador que vive no Twitter e no Facebook a pedir a cabeça de políticos e que orienta seus comandados a considerar que o grande entrave para que se faça justiça no Brasil é o… Supremo Tribunal Federal. É o rapaz que propôs 10 medidas contra a corrupção, quatro das quais seriam típicas de um regime fascista de direita ou de esquerda.
Como se sabe, a fama que Dallagnol construiu é o de alguém que não tergiversa nunca com a ilegalidade e o compadrio. Devemos certamente parabenizar a competência de seu pai, então procurador no Estado do Paraná, por ter sido bem-sucedido no esforço de fazer com que o filho-cliente fosse admitido, contra a lei, no concurso.
Certamente não é para qualquer um. E, depois, por ter vencido os embaraços futuros.
Vocês sabem como sou. Um democrata radical, liberal, de direita. Posso traduzir: só aceito o poder que deriva da vontade do povo; entendo que o Estado deva ter função meramente reguladora (o nosso tem de privatizar todas as estatais), podendo atuar apenas na segurança pública, na defesa do país (com o monopólio das duas funções), na saúde e na educação: em ambos os casos, com uma intervenção de caráter social, já que a iniciativa privada pode e deve ser livre para oferecer serviços.
Essa visão de mundo tem algumas implicações. E uma delas é o cumprimento estrito das leis e das formas de mudá-las quando já não se mostram eficazes. Como digo sempre: a melhor maneira de tornar melhor o mundo é conservar as regras da mudança, desde que atendam aos fundamentos da democracia.
O fato: Dallagnol se tornou procurador contra a lei, o que foi admitido pela própria Justiça, e lá permaneceu com base da teoria do “fato consumado”.
A propósito: no que diz respeito ao caixa dois de campanha, o que seria, doutor Dallagnol, a teoria do fato consumado?
Ou será que Dallagnol é um daqueles que nos diriam: “Façam o que eu digo, não o que eu faço”?