Brasil; reservas legais geram R$ 6 trilhões por ano

Estudo esclarece por que o Brasil precisa de suas reservas legais – elas geram R$ 6 trilhões por ano.

Vegetação mantida dentro das propriedades rurais são importantes para o ecossistema e para a economia. Foto: Pixabay.

As áreas de reserva legal previstas na lei 12.651/12 (Código Florestal) têm por finalidade manter porcentagens fixas de vegetação nativa em propriedades privadas, que variam de 20% a 80% conforme o bioma. A obrigatoriedade de manter áreas naturais nas propriedades rurais existe desde 1934 ‒ há exatos 85 anos ‒, quando foi publicada a primeira versão do Código.

A importância dessas áreas para o Brasil é o tema do artigo Why Brazil needs its Legal Reserves (Porque o Brasil precisa de suas Reservas Legais, em português), publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation e assinado por Jean Paul Metzger, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), junto a nove coautores e endossado por 407 cientistas  ‒ 391 deles pesquisadores de 79 instituições de ensino superior e pesquisa brasileiras.

“Quando consideramos o rol de benefícios que essas áreas podem prover, tanto para o proprietário quanto para a sociedade, começamos a entender que esses benefícios não são pequenos. Eles são altos! Na verdade, em alguns casos, você tem muito mais benefícios mantendo a reserva legal do que retirando e avançando com o cultivo da área”, explicou Metzger.

O artigo destaca que as reservas legais correspondem a 167 milhões de hectares, ou 29% da vegetação nativa do Brasil, e que são um ativo ambiental, tanto para os proprietários de terras quanto para o país. “O que procuramos mostrar com esse estudo é que essas áreas proveem uma série de benefícios, tanto para o proprietário quanto para a sociedade. Desde benefícios mais globais como regulação climática e hídrica, quanto mais locais como provisão e serviços de polinização, controle biológico ou água. Elas podem também ser utilizadas economicamente, na medida que o proprietário mantém a vegetação. Pode, por exemplo, ter serviços de recreação ou retirada sustentável de madeira, de castanha ou de açaí. Além disso, é preciso lembrar que a Lei 12.651/12 permite o uso de 50% da reserva legal com espécies vegetais de uso econômico, inclusive exóticas”, esclareceu Metzger.

Cadastro Ambiental Rural de uma propriedade no Paraná mostra a área de produção e a área de reserva legal. Imagem: A Pública.

Metzger explica ainda que uma floresta gera benefícios econômicos que variam de mil a cinco mil dólares por hectare por ano, e que os 103 milhões de hectares de vegetação natural remanescente que não são protegidos por Lei na forma de reservas legais ou Áreas de Preservação Permanente (APPs), junto aos 167 milhões de hectares de reservas legais, somam 270 milhões de hectares de vegetação nativa que geram um ativo de cerca de R$ 6 trilhões por ano para o país em serviços ecossistêmicos. “Para fazer essa conta, nós utilizamos estudos reconhecidos internacionalmente que medem o valor econômico desses benefícios naturais, considerando 17 serviços ecossistêmicos, e fazendo uma estimativa de quanto se perderia em serviços pela supressão daquela vegetação”.

Além dos benefícios em serviços ecossistêmicos, Metzger afirma que uma vegetação nativa adjacente a áreas de cultivo agrícola reduz os investimentos em termos de insumos, de pesticidas e de fertilizantes. “Em um experimento que fizemos no sul de Minas Gerais, por exemplo, concluímos que a produção de café pode aumentar seus rendimentos em até 28% caso a lavoura esteja próxima a uma reserva legal. Esses são valores de 2 a 6 milhões de reais por ano. Um benefício que o produtor nem percebe, ou que percebe quando precisa investir mais em insumos para sua lavoura”.

O pesquisador explica ainda que, atualmente, o aumento de produção agrícola se dá mais por intensificação local do que por expansão de área de produção. “A mensagem do artigo é que uma área de vegetação nativa adjacente permite redução de investimentos em insumos. Manter a vegetação nativa também aumenta a produtividade, é um ativo para o país e é parte da solução para o desenvolvimento sustentável. É o que chamamos de soluções baseadas na natureza”, conclui Metzger.

Em entrevista para ((o))eco, Jean Paul Metzger contextualiza a situação das reservas legais no Brasil:

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O Eco: O artigo esclarece a importância dos serviços ecossistêmicos prestados pelas reservas legais. A perda desses serviços poderia prejudicar o agronegócio? Como?

“Apenas a perda de serviços de polinização pode representar para o Brasil a redução na produção de mais de 29 cultivos, com perdas financeiras na ordem de 5-15 bilhões de dólares ao ano.”

Jean Paul Metzger: As reservas legais preveem importantes serviços ecossistêmicos para os proprietários, seus vizinhos, e para a sociedade como um todo, incluindo regulação climática, conservação de recursos hídricos, controle de zoonoses, polinização e controle biológico em áreas de cultivo. O efeito mais direto para o proprietário, e logo para o agronegócio, está na perda dos serviços de polinização, controle biológico e serviços de regulação hídrica. Apenas a perda de serviços de polinização pode representar para o Brasil a redução na produção de mais de 29 cultivos, com perdas financeiras na ordem de 5-15 bilhões de dólares ao ano.

É consenso entre os cientistas brasileiros que as reservas legais devem ser mantidas ou há alguma corrente que defende o contrário?

Eu desconheço correntes que defendam a extinção ou mesmo a redução na proteção de reservas legais. No entanto, é importante salientar que essa exigência, com meta fixa de conservação em área particular (de 20, 35 ou 80%), existe (até onde eu sei) apenas no Brasil. Ou seja, trata-se de uma legislação ambiental bastante exigente, mas considerando todos os benefícios que essas reservas trazem para os proprietários e para a sociedade, considero que ela é uma política adequada para estimular uma ocupação adequada do solo, promovendo tanto a conservação da biodiversidade em áreas de uso, como também propiciando a oferta de uma série de benefícios sociais.

Qual a situação geral das reservas legais no Brasil? Os proprietários de terras vem cumprindo essa exigência de manter ou recompor vegetação nativa? 

Os maiores passivos de reserva legal (que segundo a lei de 2012 deveriam ser restaurados) ocorrem no Cerrado (4,2 milhões de hectares/Mha), na Amazônia (3,6 Mha) e na Mata Atlântica (2,7 Mha). Em termos percentuais (passivo em relação à vegetação remanescente), a Mata Atlântica e os Pampas são os biomas mais afetados.

“Os maiores passivos de reserva legal (que segundo a lei de 2012 deveriam ser restaurados) ocorrem no Cerrado, na Amazônia e na Mata Atlântica”.

A taxa de conversão de vegetação nativa para diferentes tipos de usos (e.g. agropecuária) continua alta, principalmente em áreas particulares (quando comparadas com áreas públicas protegidas ou terras indígenas), com taxas crescentes a partir de 2012, depois da aprovação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (o “Novo Código Florestal”). Ou seja, o descumprimento à lei aumentou após a aprovação da nova versão da lei… O Brasil continua sendo campeão de desmatamento.

Por enquanto, as iniciativas de restauração são muito tímidas ou inexistentes.

A obrigatoriedade de manter vegetação nativa em propriedades ocorre em outros países?

Ocorre, de outras formas (por exemplo, com restrições ao corte, ou então com medidas agroambientais de apoio a práticas sustentáveis e de conservação), sem uma meta fixa como ocorre com a definição das reservas legais.

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