Os imponentes e densamente povoados arranha-céus de Hong Kong são, há tempos, símbolo da crise habitacional dessa cidade, onde dezenas de milhares de famílias convivem em apartamentos minúsculos. Mas o fotógrafo alemão Michael Wolf conseguiu encontrar momentos de beleza nos edifícios de sua cidade adotiva, ao mesmo tempo em que retratava a dura realidade das pessoas que moravam dentro deles.
Wolf morreu em Hong Kong, que é território autônomo pertencente à China, no último dia 24 de abril, aos 64 anos.
Ele ficou internacionalmente conhecido pelo seu projeto Arquitetura da Densidade, no qual, ao longo de 11 anos, tirou fotos dos enormes blocos residenciais de Hong Kong, moldando-os de modo a que parecessem ainda mais compactos.
Wolf passou a juventude no Canadá, na Alemanha e nos EUA e se mudou para Hong Kong em 1994 para atuar como fotojornalista da revista Stern, na qual trabalhou por oito anos.
Em 2003, começou a tirar fotos dos blocos residenciais locais, que depois integrariam o Arquitetura da Densidade.
As imagens dos edifícios ganharam contornos tão abstratos que o espectador leva um momento até entender o que está observando. Em seguida, um olhar mais cuidadoso revela os detalhes das vidas individuais que habitam os prédios – uma toalha estendida na varanda, uma janela levemente aberta, uma camiseta secando ao vento.
“Como fotojornalista, sempre estive ciente da composição nas minhas fotografias, e uma das coisas que sempre gostei de fazer era não deixar o espectador conseguir escapar da foto. Então, se há algum tipo de céu (na foto), você (espectador) consegue olhar para cima e de certo modo deixar a foto”, disse ele à BBC em 2014, explicando o corte fechado de suas imagens.
“É a mesma coisa com a arquitetura. Se você tem o céu e o horizonte, você sabe aproximadamente o quão grande é (o edifício), e a ilusão se perde. Ao cortar as imagens dessa forma (deixando apenas os edifícios à mostra), não estou mais descrevendo um edifício, estou criando uma metáfora.”
Às vezes, como ocorreu na série Minha Coisa Favorita, Wolf fazia um zoom nos detalhes pessoais para obter um olhar extremamente próximo à vida urbana.
Em outras ocasiões, ele dava um passo atrás e retratava a cidade à distância, como um todo – como na série de fotos Hong Kong: Porta da Frente/Porta Traseira.
Outros lugares também inspiraram o fotógrafo.
Em 2014, suas imagens dos topos dos prédios de Paris retrataram a cidade francesa a partir da agitada geometria de suas chaminés.
E suas fotos da rede de metrô de Tóquio (cuja série foi chamada de Compressão de Tóquio) são um olhar intimista da vida em uma cidade densa, com rostos de pessoas apertados contra as janelas dos trens.
Os vagões ficam tão cheios que parecem não dar chance de escape, a ponto de os usuários fecharem seus olhos ou cobrirem o rosto com as mãos.
“O trabalho de Michael Wolf sobre a vida nas cidades sempre foi movido por uma preocupação profunda pelas pessoas morando nesses ambientes e pelas consequências da urbanização maciça da civilização contemporânea”, disse sua família no comunicado que anunciou a morte do fotógrafo.
“Esse compromisso e engajamento permaneceram centrais ao longo de sua carreira, primeiro como fotojornalista e depois como artista.”
Como o próprio Wolf explicou à BBC, “tento me colocar na situação deles (moradores das cidades). Conheço projetos de outros fotógrafos no Japão, nos quais tiram fotos de assalariados pegando o último trem de volta para casa, à meia-noite, bêbados e fora de si, deitados inconscientes nas plataformas de trem, e acho isso terrivelmente injusto. Isso (essas fotos) não diz nada e é uma forma de voyeurismo a que me oponho. Não faria isso.”