Artigo de Odenildo Sena, ex-presidente do CONSECTI e ex-presidente do CONFAP sobre a proposta de extinção da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia & Inovação (SECTI) do Amazonas
Há dois tipos de gestores políticos: os que são desprovidos de espírito público, infelizmente a maioria, e os que cultivam essa virtude, infelizmente a minoria. Para os primeiros, o horizonte de tempo sempre está sintonizado com suas ambições e interesses pessoais.
No dia em que assumem o governo do estado ou a prefeitura, por exemplo, já o fazem de olho vidrado no final dos quatros anos de mandato. Até lá, toda e qualquer ação é medida e calculada com a metragem do varejo, caracterizando-se pelo imediatismo e, portanto, ao sabor dos interesses paroquiais que, por sua vez, estarão a serviço da eleição seguinte.
Metaforicamente, fazem do pão, do circo e da verborragia sua exclusiva plataforma de governo. Para os que cultivam o espírito público, por outro lado, os quatro anos à frente não deixam de ser referência para uma nova empreitada eleitoral, mas não são limitadores de suas ações em prol da coletividade.
Preocupam-se e agem sobre as necessidades imediatas por força das contingências, mas seu olhar e suas obras voltadas para o bem comum estão sempre adiante de seu tempo e muito além de seu mandato. Daí a conclusão: nada mais nocivo na vida pública do que um homem público sem espírito público.
Neste sentido, é consequência até natural que o homem público sem espírito público mantenha uma convivência sempre conflituosa com o mundo científico, sobretudo caracterizada pelo desprezo e pela indiferença. Afinal, o tempo da ciência, além de ser regulado pela necessária continuidade, é marcado por algumas ações que, se têm data pra começar, não têm data pra terminar.
Só pra ficar num exemplo bem impactante, há mais de setenta anos pesquisadores, em vários cantos do mundo, tentam encontrar o caminho que resulte em uma vacina contra a dengue. Nunca estiveram tão perto, é certo, mas lá se foram sete décadas![ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Essa reflexão vem à tona a propósito da trágica decisão do senhor governador do Amazonas de extinguir a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia & Inovação (SECTI). Criada em 2003, não há como negar que, de seus acertos, essa foi uma das iniciativas mais importantes e de maior visão de futuro do então governador Eduardo Braga. Ao lado da SECTI, criou a Fapeam e instituiu o Sistema Público Estadual de CT&I.
Com isso, pavimentou a estrutura para o avanço científico e tecnológico no Estado, mérito dos mais louváveis. Em seus 11 anos, o Amazonas deu saltos extraordinários na produção científica, na formação de mestres e doutores e na inovação tecnológica e, como se sabe, passou a ser reconhecido e a compor o mapa da ciência brasileira, sem contar com incursões e parcerias internacionais. Vale lembrar, a Fapeam continua sendo a quarta instituição do gênero no Brasil, atrás apenas de SP, Rio e Minas. Suficiente? Não, claro que não.
Consolidar um sistema dessa natureza exige muito mais tempo de maturação e ações contínuas, a exemplo do caso de São Paulo, cuja estrutura tem mais de cinquenta anos e é referência no Brasil e no mundo. Interromper esse avanço virtuoso, portanto, é um golpe duro no presente e no futuro do desenvolvimento do Estado e, sem dúvida alguma, o mais estúpido dos equívocos e a demonstração mais cabal de obscurantismo, ausência de espírito público e falta de compromisso com o futuro do Amazonas.
Por fim, a justificativa corrente de que o propósito é enfrentar a crise econômica e reduzir despesas soa como flagrante contrassenso. De um lado, porque as nações mais poderosas do mundo nos ensinam que a saída para as crises está exatamente na valorização do capital intelectual, no aumento da produção de conhecimentos e na inovação tecnológica.
De outro, porque a SECTI, pelo seu extraordinário papel articulador das ações de CT&I no Estado, não dá prejuízo. Muito pelo contrário. Só pra ficar no ano de 2014 e no plano de recursos, sua atuação permitiu captar em recursos federais para o sistema no Amazonas R$ 37,4 milhões. Ou seja, 8 vezes mais do que o seu reduzido orçamento, de R$ 4,5 milhões. Prejuízo grande mesmo é o desatino de extinguir a instituição. É bom a comunidade científica e estudantil vestir luto.