Isaac Newton usou uma prisma para separar a luz do sol em cores
“Que os mortais se regozijem por ter existido tamanho ornamento da raça humana.” Este epitáfio, escrito em latim sobre o seu túmulo, na Abadia de Westminster, em Londres, dá uma ideia da importância de Isaac Newton para a ciência e a humanidade em geral.
Considerado um dos maiores — se não, o maior — cientistas de todos os tempos, ele nasceu em 25 de dezembro de 1642, ano da morte de Galileu Galilei, em Woolsthorpe, perto de Cambridge, na Inglaterra, e morreu em 20 de março de 1727, em Kensington, no mesmo país.
Na verdade, há controvérsias sobre essas datas. Não porque elas estejam erradas, mas por causa da substituição do calendário juliano, implantado pelo imperador romano Júlio César, em 46 a.C., pelo gregoriano, instituído pelo papa Gregório XIII, em 15 de outubro de 1582.
Em artigo publicado pelo Centro de Referência em Ensino de Física (CREF), ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o físico Fernando Lang da Silveira explica que o calendário juliano estava com problemas, pois era sabido que no final do século XVI o equinócio da primavera no Hemisfério Norte, que por este calendário deveria acontecer em 21 de março, ocorria de fato cerca de dez dias depois.
Então, a Igreja Católica patrocinou astrônomos e cientistas para elaborarem um novo calendário, mais preciso. “Entre outras importantes modificações, ele tomou por base que o ano passasse a ter 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos”, diz Silveira.
O ano juliano, afirma, era cerca de 11 minutos mais curto e, em consequência disso, havia acumulado uma defasagem de cerca de dez dias entre a data em que o equinócio de primavera deveria ocorrer e efetivamente acontecia um pouco antes da reforma gregoriana.
O calendário gregoriano começou na sexta-feira, 15 de outubro de 1582. O dia anterior, de acordo com a bula papal era quinta-feira, 4 de outubro.
“Portanto, os dias civis que iam de 5 a 14 de outubro simplesmente deixaram de existir em 1582 em todos os países católicos”, conta Silveira, em seu texto. Ele não foi aceito, entretanto, de imediato em países com outras religiões. A Inglaterra e suas colônias, por exemplo, só o adotaram em 1752.
Ou seja, o nascimento de Newton ocorreu quando ainda vigorava o juliano no seu país, isto é, em 25 de dezembro de 1652. Pelo gregoriano, seria 4 de janeiro de 1643 e a morte em 30 de março de 1727.
“Portanto, ambas as datas estão corretas, dependendo do calendário que se tome por base”, conclui Silveira.
Infância complicada
O que é certo é que Newton teve nascimento e infância complicados. Seu pai, um produtor rural analfabeto, havia morrido três meses antes de ele vir ao mundo. Além disso, o futuro físico, matemático e astrônomo nasceu prematuro, com risco de morrer em poucos dias. Sobreviveu, mas aos 2 anos foi abandonado pela mãe — que havia se casado de novo e se mudado para outra cidade —, que o deixou aos cuidados da avó até os 10 anos.
Nos primeiros anos de estudo, ele não revelou nenhum talento especial. Sua genialidade só começou a aflorar depois que se graduou na Universidade de Cambridge, em janeiro de 1665. Neste ano e no seguinte, considerados os Annus Mirabilis (anos miraculosos) de Newton, ele realizou uma série de trabalho e descobertas que revolucionaram ciências como a matemática, física, ótica e astronomia.
Mas ele continuou produzindo ao longo da vida. Nos 84 anos em que viveu, fez descobertas, criou teorias e desenvolveu métodos e ferramentas matemáticas e físicas que abriram caminho para a Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, e tornaram possível a exploração espacial e várias tecnologias presentes em muitos equipamentos modernos usados hoje.
Para o astrônomo Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, da Universidade de São Paulo (IAG-USP), a contribuição mais importante de Newton foi ter criado a primeira teoria científica da história da humanidade, a da Gravitação Universal.
“Ela tem três princípios simples, que incluem o conceito de força de atração gravitacional”, explica. “A partir disso, se pode deduzir matematicamente o comportamento de corpos sujeitos à gravidade, em qualquer situação particular, desde o movimento de planetas, cujas leis haviam sido obtidas empiricamente por (Johannes) Kepler (1571-1630), a corpos que Newton jamais pensaria em aplicar sua teoria, como estrelas duplas e satélites artificiais.”
O físico Othon Winter, da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (FEG), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra que toda a área espacial se baseia na Teoria de Gravitação Universal. “Por exemplo, a órbita de qualquer satélite artificial obedece a lei da gravidade proposta por Newton”, diz. “Então, tudo o que usufruímos e é dependente desses artefatos, como GPS, ligações telefônicas e transmissões de TV por eles são uma consequência direta de descobertas feitas por ele.”
A maçã caiu?
Ao se falar de gravidade, não se pode deixar de mencionar a famosa história de que Newton teria desenvolvido sua teoria depois que uma maçã caiu em sua cabeça. Mas seria ela verdadeira?
“Há diferente versões desta história”, diz o físico Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foi eleito pela prestigiosa revista científica britânica Nature como uma das dez pessoas que mais se destacaram no mundo na área de ciência em 2019. Galvão foi exonerado do cargo, em agosto, depois que o presidente da República, Jair Bolsonaro, passou a criticar o Inpe.
De acordo com ele, o que se sabe ter acontecido é que, em 1665, houve uma eclosão da febre bubônica, que forçou Newton a retornar para a propriedade de seus pais, em Woolsthorpe. “Aparentemente, ao observar a queda de uma maçã em seu pomar, ele se questionou porque a fruta caiu diretamente para o chão e não para o lado, ou para cima”, explica Galvão.
Ele acredita que se Newton fosse um homem comum, “sensato”, talvez tivesse respondido a si mesmo “porque é assim que Deus determinou” (Newton era muito religioso). “Mas não, ele não era um homem comum”, diz Galvão. “Perseguindo a resposta à sua indagação de forma lógica, acabou formulando sua famosa Teoria da Gravitação Universal. Mas a história de que ela caiu em sua cabeça muito provavelmente é fantasiosa.”
O que é real é que Newton, simultaneamente com o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, mas de forma independente, desenvolveu o cálculo diferencial e integral, uma ferramenta matemática que tem aplicações que vão da construção civil às viagens espaciais. “Ela está presente em grande parte do PIB da humanidade, por meio da engenharia de construção civil, transporte (aéreo, terrestre marítimo e no vácuo) e circuitos elétricos, por exemplo”, enumera Damineli.
Segundo seu colega no IAG-USP, o também astrônomo Enos Picazzio, é impossível imaginar o que seria o mundo sem a lei de gravitação e o cálculo diferencial e integral.
“Com o cálculo, Newton elaborou métodos analíticos simples para resolver problemas como encontrar áreas, tangentes e comprimentos de curvas, por exemplo”, explica. “Essa ferramenta foi fundamental para ele ter desenvolvido suas leis de movimento dos corpos e da gravitação.”
Esses trabalhos de Newton estão no seu livro mais famoso, Princípios Matmáticos da Filosofia Natural, considerado por muitos a obra científica mais importante já publicada.
De acordo com Winter, o cálculo diferencial e integral é um ramo da matemática que é muito utilizado em dois tipos de problemas. “O diferencial é usado para cálculo de taxas de variação de grandezas, ou seja, qualquer problema que envolva movimento ou crescimento/decrescimento de alguma quantidade, como, por exemplo, como a economia evolui ao longo do tempo”, explica. “No caso do integral, ele é empregado para calcular a acumulação de quantidades, como o volume de um dado material que é necessário para construir um certo equipamento.”
Newton não parou por aí, no entanto. Ele também atuou na área da Ótica, pesquisando a natureza da luz e suas propriedades, como refração, difração e a decomposição da branca nas cores do arco-íris. “Com isso, descobriu, que além da luz vermelha, existe a infravermelha que os nossos olhos não veem, que nada mais é que calor”, conta Picazzio. Isso o levou a mostrar outra de suas caraterísticas, a de inventor. “Sua invenção do telescópio refletor (o que usa espelho) é consequência dos seus estudos de dispersão e aberração da luz nos telescópios refratores (os que usam lentes)”, explica Picazzio.
No gênio científico também existia um lado religioso e místico, no entanto, que lidava com alquimia. “Ciência e religião são incompatíveis nos seus propósitos, mas podem ser complementares sobre o ponto de vista humano”, diz Picazzio. “Enquanto a primeira trata do real, procurando por meios técnicos explicar o que ocorre na natureza, a segunda pode satisfazer um aspecto humano para muita gente. Newton era religioso, assim como tantos outros cientistas, porém não foi a fé que o levou a elaborar as suas teorias científicas.”
Uma prova disso, segundo ele, é que a ciência progride com trabalhos desenvolvidos tanto por religiosos como por agnósticos e ateus. “Entre eles não há choque de ideias no campo científico, mas há no campo humano”, explica. “As leis da natureza atuam em todos os locais, existindo ou não humanos ou outros seres pensantes, caso eles existam. O mesmo raciocínio aplica-se à alquimia. A química que temos hoje é baseada em ciência.”
Independentemente de suas crenças, não há como negar a importância de Newton para a ciência em particular e para a humanidade em geral. “De um ponto de vista mais fundamental, creio que a maior contribuição dele foi a consolidação do método científico, expandindo amplamente a metodologia iniciada por Galileu Galilei, ou seja, a formulação de modelos físicos, cujos resultados devem ser passíveis de testes experimentais e de consistência lógica”, diz Galvão.
Para a humanidade, diz o ex-diretor do Inpe, a maior contribuição de Newton talvez tenha sido a ideia de que vivemos em um universo mecânico, cuja evolução é descrita por equações matemáticas, mesmo que nem sempre com soluções exatas, e a noção de que a cada ação corresponde uma reação. “Isso fez com que o pensamento humano evoluísse de uma realidade apenas mística para uma baseada também em argumentos lógicos, contribuindo fortemente para a filosofia, teologia e outras áreas que moldaram o desenvolvimento da sociedade moderna”, diz.