George Orwell e a novilíngua
O romance 1984 de George Orwell, pseudônimo do súdito nascido na Índia Eric Arthur Blair, lançado em 1949, é uma crítica a Stalin e à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, de modo sutil, a glorificação de Winston Churchill, nome do herói – Winston – do romance.
Logo no início do livro travamos conhecimento da existência do Ministério da Verdade e da Novilíngua, graças aos quais se difundiam lemas governamentais: “liberdade é escravidão”, “ignorância é força”.
Parece ridículo que alguém fosse atingido por tais farsas? Mas outra coisa não lhe é feita, desde os anos 1980, com as palavras e expressões tais como globalização, mercado livre, política ou decisão inevitável, modernização trabalhista, ações indispensáveis, contenção de despesas públicas, superavit fiscal, déficits públicos e baboseiras semelhantes.
A ensaísta e premiada escritora francesa Viviane Forrester publicou, em 2000, Uma Estranha Ditadura (UNESP, 2001) que desmascara a novilíngua neoliberal, que tomou conta de todas as notícias da imprensa, das análises supostamente técnicas e mesmo da academia, como demonstra com precisão e objetividade o filme de Charles Ferguson, Trabalho Interno (Inside Job), lançado em 2010.
Vamos analisar os verdadeiros significados destas palavras, os objetivos desta farsa e, como é óbvio, quem é beneficiado com este reeditado “1984”.
Tomemos um caso concreto – a reforma da previdência social no Brasil. Como já foi sobejamente demonstrado esta previdência é superavitária, mesmo sem a cobrança de milhões de reais devidos por empresas privadas.
O economista J. Carlos de Assis, nas páginas do jornal Monitor Mercantil e em vários blogs e portais virtuais, lançou o desafio a qualquer membro do governo, economista chapa branca ou independente, analista de jornal, rádio e emissora de televisão e doutos acadêmicos para debater com ele o “déficit previdenciário”. Ninguém se ofereceu a este repto que já completa dois meses.
Vejamos alguns elementos desta novilíngua. Primeiro este “pensamento único”, por si já prova do sentido ditatorial, que se autodenomina neoliberal. Que magnífica composição: neo, dando a ideia de novo, de atual, e liberal, que lembra imediatamente liberdade, independência.
Mas significando efetivamente a selvageria do cada um por si, de nenhuma restrição ao abuso, da satisfação de desejo, o mais iníquo, e a competitividade destruidora de pessoas e bens.
Viviane Forrester levantou, para março de 1996, sete grandes empresas multinacionais que tiveram cotações em bolsa elevadas com a divulgação da demissão de empregados. O resultado desta “competitividade” foi transferir o dinheiro de salários para os maiores lucros dos acionistas, um processo de concentração de renda e de expansão da miséria.
Mas a competitividade parece atender a voz divina que manda os ricos ficarem mais ricos e os pobres ainda mais pobres. Ou você não havia notado esta novilíngua?
Para que serve a economia? Para promover concentração de riqueza ou existência digna para as pessoas?
Em Londres e em Nova Iorque houve manifestações, peço atenção do analfabeto Ministro da (des)Educação (sic) – “houveram” – remete-lo-ia (!) ao ensino Fundamental I, de mestres de escolas de economia em defesa do real estudo desta disciplina, pois, em suas próprias palavras, estava sendo transformada apenas e simplesmente em engenharia financeira. Mas a imprensa mundial, dominada pela banca (sistema financeiro), fez-se surda e muda.
Outro vocábulo da novilíngua é globalização. Viviane Forrester chama “obra-prima do gênero” farsante.
Escreve esta crítica francesa: “seu nome por si só cobre todos os fatos de nossa época e consegue camuflar, tornando-a indiscernível no interior desse amálgama, a hegemonia do ultraliberalismo: um sistema político que, sem estar oficialmente no poder, comanda o conjunto daquilo que os poderes têm a governar, obtendo uma plenipotência planetária”.
Este avanço da banca à economia, à política, à comunicação social, a toda sociedade já é descrito até por seus executivos e membros de um organismo da banca: o Fundo Monetário Internacional (FMI).
E a imprensa, mesmo quando combate ações da banca, divulga a novilíngua, como se fosse inevitável a discussão nos seus termos e significados. É uma escolha a qual também devemos combater.
Afinal expropriação privada é tirar de alguém, sem que haja interesse público, algo que lhe pertence, seja o salário, no exemplo dado por Viviane Forrester, seja o direito à saúde ou à educação.
Chame-se de déficit público, de custo irrecuperável, de administração perdulária (como se altos juros não fosse o mais perdulário dos gastos públicos), de futura insolvência, como se alardeia às aposentadorias e pensões, sempre é você que está sendo tungado.
Já pensou o caro leitor quem vai receber suas contribuições previdenciárias se não for o Estado? e que garantia você terá da própria permanência da seguradora ou banco daqui a 30 ou 40 anos quando você resolver se aposentar?
É a farsa da banca que nos coloca nesta ditadura da própria linguagem, muito mais difícil de se insurgir do que a da censura, dos tanques nas ruas ou de um Estado totalitário. É a ditadura invisível que nos oprime neste século XXI. E que os coxinhas, batedores de panela ou simplesmente ignorantes colocaram no Poder no Brasil.