Juan Gelman – Poesia – 12/11/23
Boa noite Poema Juan Gelman¹ hoje chove muito, muito, dir-se-ia que estão a lavar o mundo. o meu vizinho do lado vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor uma carta à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher entra em casa pela janela e não pela porta por uma porta entra-se em muitos sítios no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher / nem na alma quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim como hoje / que chove muito e me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e quando / e como mas que pode a alma explicar por isso o meu vizinho tem tempestades na boca palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu / que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado ¹ Juan Gelman * Buenos Aires, Argentina – 5 de março de 1930 + Buenos Aires, Argentina – 14 de janeiro de 2014