O PARANAENSE ADOLFO SACHSIDA ocupa um cargo estratégico na formulação da política econômica e social do governo. É o atual secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, cargo que tem uma importância crucial na determinação da agenda econômica do país. No início do governo Lula, por exemplo, esse cargo foi ocupado por Marcos Lisboa, que acabou sendo um dos grandes responsáveis pelo desenho do programa Bolsa Família, uma das marcas de nossa política social. Mais: acredita que os direitos trabalhistas são um estorvo para o empresário e principal causa do desemprego no país – e defende seu argumento citando filmes americanos. Culpa os pobres e miseráveis pelo déficit da previdência – afinal, ele recebem um salário mínimo sem terem contribuído para o sistema. E acha que as mulheres devem se aposentar junto com homens, mas pagando mais. Que se dane a jornada doméstica – isso não é problema da previdência. Carreira política naufragou Figura conhecida nos círculos conservadores e liberais brasileiros, Sachsida tentou a eleição para deputado distrital em 2014 pelo Democratas. Obteve 3.372 votos, ficou na 105° posição e não se elegeu. Santinho de campanha para deputado federal de Adolfo Sachsida. Aproximou-se, então, de Bolsonaro quando poucos acreditavam que um risível deputado de extrema direita poderia se tornar presidente do país. São muitas as afinidades entre Bolsonaro e Sachsida. Sachsida expressa abertamente sua fé em Olavo de Carvalho. As trocas de gentilezas entre ambos eram frequentes, com direito aos famosos “hangouts” entre o economista e o Rasputin brasileiro. Nas conversas, os dois debatem temas como Escola sem Partido, a ameaça islâmica, os perigos do comunismo e outros tópicos típicos do cardápio de insanidades daquele que Sachsida chama de “professor”. Em um depoimento, o economista classificou Olavo como “um dos maiores pensadores brasileiros dos últimos 50 anos”. Trecho do depoimento de Adolfo Sachsida sobre Olavo de Carvalho. Olavo soube corresponder a tão profunda admiração – pena que o texto em questão tenha sido apagado por Sachsida. Captura de tela: Facebook/ Olavo de Carvalho Como Olavo e Bolsonaro, Sachsida também nutre um ódio profundo contra o ex-presidente Lula. Até aqui, nada demais. Afirma que Lula é um “bandido de alta periculosidade” e que “representa riscos claros a [sic] ordem pública”. Até aqui, mais uma vez, nada demais. Segue o jogo. Mas ele vai além e diz que Lula faria “de tudo (como tem feito) para jogar o país numa guerra civil”. Aqui, creio, ultrapassamos o limite das discordâncias típicas de uma democracia e entramos na arena dos delírios olavistas. Sachsida também divide com o capitão reformado a compreensão sobre os “probleminhas” ocorridos durante a ditadura militar brasileira. O atual secretário já usou o seriado 24 Horas para racionalizar a atitude de Geisel, que teria dado sua bênção para que o “abate” de “terroristas” continuasse no Brasil. Captura de tela: Blog de Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo Que os Deuses não lhe confiem tal decisão. Rezo. Além de colunista em sites liberais e conservadores, Sachsida também era conhecido por seu canal no YouTube e seu blog pessoal. Em seu blog – que infelizmente foi deletado, assim como quase todo o material que ela havia postado no YouTube –, Sachsida defendia teses, digamos, extravagantes. Em 2017, causou furor um vídeo seu em que justificaria a diferença de salários entre homens e mulheres dizendo que “não tem tanta mulher genial”. O suposto vídeo, infelizmente, não está mais entre nós. Outra tese defendida por Sachsida é que se cobrasse um imposto único de igual valor sobre todos os brasileiros. Isso significa que tanto um bilionário, como o performático Luciano Hang, quanto uma dona Maria, ganhadora de um salário mínimo, pagariam todo ano o mesmo valor, a mesma quantia, o mesmo montante de imposto por ano. Dividindo a arrecadação do governo federal no ano passado pela população do país, o valor a ser pago seria de R$ 7 mil. A monstruosidade em termos de distribuição de renda da implementação de um imposto desse tipo seria inominável. Seria agradável – e módico – para os ricos. Seria, literalmente, a miséria, a fome e a humilhação para os mais de 55 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Esses 55 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 406 por mês, o que dá uma renda anual de R$ 4.872. Ou seja, se passassem o ano todo sem gastar literalmente um único centavo, ainda deveriam mais de R$ 2 mil para o governo. Achou a ideia um completo disparate? Nós também. Acha que é mentira, que nenhum economista defenderia tal coisa? Achou errado. Neste vídeo, Sachsida defende essa tese sem qualquer pudor. Nos vídeos do YouTube que sobreviveram ao expurgo pós-vitória, Sachsida apresenta seu credo econômico, que tem grande influência sobre as ideias e palavras mal conectadas proferidas por Bolsonaro. Em uma de suas aulas, intitulada “Modernização da Legislação Trabalhista”, de 2017, Sachsida apresenta sua visão sobre o mercado de trabalho, na teoria e na prática. Defende o que ele chama de “modelo americano” do mercado de trabalho. Sua argumentação se baseia em seriados e filmes americanos: “Como funciona a economia americana na maior parte dos contratos? Você já viu um filme americano?… Toda vez que alguém perde o emprego, o que que o cara faz? Pode ver, na cena seguinte aparece o cara com uma caixa de papelão, ele indo na mesa dele colocando os pertences dentro da caixa… e indo embora. Acabou. É isso que acontece. Daí uma semana esse cara que foi mandado recebe um cheque, com o pagamento que faltava para ele receber e acabou. Não tem 13º, não tem férias, não tem absolutamente nada. Então esse é o modelo americano[…] É o seguinte, você foi mandado embora, você não tem direito a nada não, você pega seus pertences coloca numa caixa e vai embora. […] Quando é barato para a empresa te demitir, também é barato para a empresa te contratar. Quando você coloca poucas regras para a empresa cumprir, essa empresa não vai ter medo de te contratar. Porque se ela contratar e contratar mal, ela demite o cara sem custo nenhum”. A carteira
Uma fazenda de soja no Mato Grosso vista de cima (Image: Sentinel Hub) A importação de soja brasileira pela China pode estar ligada a duas Nova Yorks de desmatamento no Brasil, ou 223 mil hectares, entre 2013 e 2017. O número é resultado de um levantamento inédito sobre a cadeia produtiva da soja exportada pela China feita pela Trase, plataforma global independente que monitora cadeias produtivas de commodities. Para calcular a exposição da soja comprada pela China ao desmatamento, a Trase multiplicou o total de desmatamento relacionado a soja nos locais que produzem para exportar para a China pela proporção da soja produzida nessas áreas que foi efetivamente comprada pelos chineses. Os números fazem da China o país importador mais exposto ao risco de desmatamento, segundo a Trase. Mas isso só ocorre porque são também os chineses os maiores compradores da soja brasileira. No período de 2013 a 2017, a China comprou 42% da produção nacional de soja — quase três vezes o volume compraod pela União Europeia. “A China é o principal comprador e realmente promove alterações de grandes regiões no Brasil”, afirma André Vasconcelos, pesquisador da América Latina da Global Canopy, responsável pela Trase junto com o Stockholm Environment Institute. O Brasil plantou três Holandas de soja, ou 128.600 quilômetros quadrados, para entregar as 54 milhões de toneladas compradas pela China em 2017. No ano passado, a importação cresceu ainda mais, para 84 milhões de toneladas. Desmatamento localizado Embora a soja exportada para a China venha de mais de 2 mil municípios pelo Brasil, o levantamento da Trase mostra que o risco de desmatamento associado a exportações para a China está concentrado em poucas delas, responsáveis por apenas 8% do volume comprado. “Como está bem, concentrado, acreditamos que seja uma oportunidade para a China reduzir esse impacto”, calcula Vasconcelos. O volume com maior risco sai do coração do Matopiba, como é chamada a região composta por quatro estados brasileiros, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O bioma da região, o Cerrado, é o mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil — e também onde mais se expandem as plantações de soja. Entre 2001 e 2017, mostrou o Atlas Agropecuário do Imaflora, a produção de soja no Matopiba cresceu 310%. O risco de desmatamento associado na região é de 80%. O cálculo é feito a partir de dados de produções de commodities, padrões de compra e desmatamento. Por exemplo, se um país compra metade da soja de um município brasileiro onde 800 hectares de desmatamento estão diretamente ligados à produção de soja, o risco de desmatamento de soja para aquela empresa é de 400 hectares, ou 50% do total. Apesar dos riscos associados aos grandes volumes de exportação, a China compra, proporcionalmente, menos soja de lugares com alto risco de desmatamento do que a União Europeia. Isso ocorre porque, enquanto a China compra a maior parte da sua produção da região Sul do Brasil, a Europa concentra suas compras exatamente na região do Matopiba, onde há mais risco. Empresas responsáveis O levantamento feito pela equipe da Trase mostrou, ainda, que apesar de centenas de empresas estarem envolvidas na cadeia produtiva da soja Brasil-China, apenas seis empresas são responsáveis por 70% do volume exportado para a China do Matopiba: Agrex, Amaggi, LD Commodities, Multigrain, Cargill, Bunge e ADM. A COFCO, maior empresa chinesa envolvida na cadeia, também está entre as maiores exportadoras de soja para a China — com 7% do volume exportado. No Matopiba, é responsável por 6% das exportações, sendo a sétima maior exportadora. Em janeiro deste ano, o presidente da COFCO, Jun Lyu, surpreendeu no Fórum Econômico Mundial em Davos ao publicar um artigo em que conclamou a comunidade internacional a unir esforços para combater o desmatamento. Em seu texto, o executivo chamou atenção às vulnerabilidades da cadeia produtiva da soja e à necessidade de proteger o Cerrado brasileiro em especial. “Os esforços contra o desmatamento ganhariam um impulso significativo se mais participantes de mercados emergentes, tanto nos países produtores quanto nos de consumo, ficassem atrás de commodities sustentáveis”, escreveu. “Vamos usar esta oportunidade em Davos para levar esta colaboração à frente”. Vasconcelos vê uma preocupação crescente entre as empresas chinesas com desmatamento na cadeia produtiva. “Vemos com muito entusiasmo o posicionamento que a Cofco adotou. É importante que o setor se posicione e que trabalhe para combater o desmatamento”, disse. Empresas como a COFCO também estão preocupadas com danos às suas reputações, junto a acionistas e consumidores. Especialistas acreditam que a associação da soja brasileira a este tipo de dano pode impactar o crescimento do Brasil em novos mercados se parceiros deixarem de comprar em razão do risco. Pesquisas mostram que não é necessário desmatar para aumentar a produção. Entre 1991 e 2017, a produção de grãos subiu 312%, enquanto a área plantada, 61%, segundo dados do Observatório do Clima. O uso de áreas já degradadas é uma opção defendida por pesquisadores. Juntas, as áreas degradadas na Amazônia e no Cerrado ultrapassam 30 milhões de hectares. “É mais ou menos o tamanho de uma agricultura brasileira que está abandonada e em processo de degradação”, afirma Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). As consequências O desmatamento já está provocando alterações no regime de chuvas. Segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprasoja), o Brasil perdeu 11 milhões de toneladas de grãos, algo em torno de R$ 17 bilhões, por conta de eventos climáticos, como chuvas fortes e estiagens longas. Para Assad, o problema é conhecido. Sem florestas em pé, a capacidade de captar e bombear água para atmosfera, a chamada evapotranspiração, diminui drasticamente. As chuvas que vêm da Amazônia vão se diluindo e não chegam ao Cerrado, por exemplo, comprometendo as safras por deficiência hídrica. Chuvas concentradas prejudicam igualmente. A vegetação desmatada também é combustível para a emissão de gases de efeito estufa. Em 2016, o Brasil alcançou o sexto lugar na lista de maiores emissores de gases do mundo. Naquele ano, 51% dos 2.278 bilhões de toneladas emitidas entraram na conta do desmatamento.