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Wislawa Szymborska – Poesia

O fim e o início Wislawa Szymborska Depois de toda guerra alguém tem que fazer a faxina. As coisas não vão se ajeitar sozinhas. Alguém tem que tirar o entulho das ruas para que as carroças possam passar com os corpos. Alguém tem que abrir caminho pelo lamaçal e as cinzas, as molas dos sofás, os cacos de vidro, os trapos ensanguentados. Alguém tem que arrastar o poste para levantar a parede, alguém tem que envidraçar a janela, pôr as portas no lugar. Não é fotogênico e leva anos. Todas as câmeras já foram para outra guerra. Precisamos das pontes e das estações de trem de volta. Mangas de camisas ficarão gastas de tanto serem arregaçadas. Alguém de vassoura na mão ainda lembra como foi. Alguém escuta e concorda assentindo com a cabeça ilesa. Mas haverá outros por perto que acharão tudo isso um pouco chato. De vez em quando alguém ainda tem que desenterrar evidências enferrujadas debaixo de um arbusto e arrastá-las até o lixo. Aqueles que sabiam o que foi tudo isso, têm que ceder lugar àqueles que sabem pouco. E menos que pouco. E finalmente aos que não sabem nada. Alguém tem que deitar ali na grama que cobriu as causas e conseqüências, com um matinho entre os dentes e o olhar perdido nas nuvens. Tradução de Regina Przybycien

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Por que Bolsonaro não suportou o Consea

Dedicado à segurança e diversidade alimentar, órgão extinto por decreto também expunha Estado a mecanismos de controle social. Exatamente o contrário do que deseja a lógica do agronegócio. A Medida Provisória n. 870, de 01 de janeiro de 2019, publicada pelo novo governo federal de modo a estabelecer a organização administrativa dos órgãos da Presidência da República e seus Ministérios, trouxe más noticias para a política pública de segurança alimentar e nutricional. Ela revoga inciso e artigo da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional/LOSAN, de 2006, de modo a levar a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional/CONSEA na estrutura organizativa do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN. O CONSEA Nacional era um órgão de assessoramento à Presidência da República cuja competência institucional tratava do controle social na formulação, execução e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Representava um espaço de consolidação da participação da sociedade nas políticas voltadas à promoção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e de defesa de uma agenda da administração pública que defenda os cidadãos da violação do direito humano à alimentação adequada. Criado, em 1993, à época do governo Itamar Franco e sob demanda da sociedade civil articulada nos movimentos Ética na Política e Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, o CONSEA foi, em uma perspectiva histórica, a primeira tentativa de elevar o debate sobre segurança alimentar e nutricional para uma arena política intersetorial, plural e participativa. Pelo caráter transitório do então governo e pela frágil inserção do tema na agenda política brasileira, o conselho foi extinto em 1994, um ano após sua proposição. Recriado em 2003, o CONSEA assumiu a importante tarefa de não ser apenas um espaço institucional de diálogo do governo com a sociedade, mas também de ser o lócus impulsionador da elaboração participativa do Projeto de Lei Orgânica para a Segurança Alimentar e Nutricional no país, o que ocorreu em 2006. Desde então, observou-se o rompimento de ações pontuais e fragmentadas em direção a um novo paradigma na construção e governança de políticas públicas em segurança alimentar e nutricional. Progressivamente, têm-se implantado de forma mais articulada programas e ações de proteção social, de superação da pobreza e redução das desigualdades, de fomento a produção agrícola de base familiar e de acesso à alimentação. Neste espectro, está o aprimoramento do marco normativo do histórico Programa Nacional de Alimentação Escolar e sua interface com os programas de compras públicas de alimentos produzidos por agricultores familiares. Iniciativas como essa foram produzidas e articuladas no âmbito do CONSEA e foram reconhecidas pelas Nações Unidas, em 2014, como responsáveis pela saída do Brasil do Mapa da Fome. Por outro lado, novas expressões da insegurança alimentar, como a perda dos padrões alimentares tradicionais, o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, a obesidade e a exposição da população a alimentos contaminados por agrotóxicos, ganham proporções epidêmicas. Os sistemas alimentares, incluindo os processos de produção, transformação, distribuição, marketing e consumo de alimentos, estão fortemente relacionados à transição alimentar e nutricional observada nas últimas décadas e precisam ser reposicionados para não apenas ofertar alimentos, mas sim promover dietas mais saudáveis e sustentáveis para todos. O CONSEA, bravamente, assumiu a defesa da dimensão sociocultural da alimentação e da valorização de um sistema alimentar justo, saudável e sustentável, tanto do ponto de vista social como ambiental, onde sejam valorizados e protegidos a biodiversidade, a comida de verdade sem veneno e os padrões alimentares tradicionais com o respeito e o resgate das identidades, memórias e culturas alimentares. Fez, assim, a defesa do alimento como elemento central da vida, um direito social, um bem material e imaterial e parte do patrimônio cultural do povo e da nação brasileira. Há que se reconhecer o choque paradigmático com setores que, em outro extremo, veem o alimento apenas como mercadoria dotada de valor monetário, em uma economia nacional ancorada nas commodities agropecuárias. O Brasil alcançou reconhecimento internacional na área e se tornou referência para inúmeros países. Em 2016, publicação de um renomado painel de especialistas em Nutrição Global – The Global Nutrition Report Stakeholder Group – apontou os fatores que explicam o protagonismo brasileiro na agenda de Segurança Alimentar e Nutricional, sendo eles: o ativismo de organizações não governamentais e de movimentos sociais, a produção e uso de dados e indicadores de segurança alimentar e nutricional e, por fim, a criação do CONSEA como espaço de governança, engajamento e diálogo independente entre Governo e Sociedade Civil. Compreender a formação de uma agenda de política de segurança alimentar e nutricional significa considerar que a mesma pode refletir ou não os interesses dos diferentes setores da sociedade, a depender do grau de democracia participativa, de mobilização de cada setor e de institucionalização de mecanismos que viabilizem a participação dos sujeitos, em especial dos mais vulneráveis e dependentes da ação do Estado. O episódio da Medida Provisória n. 870 é preocupante porque nega os êxitos da experiência brasileira; compromete a continuidade e aprimoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; fragiliza a administração pública ao negar a participação social como elemento estruturante do Estado Democrático de Direito; induz um efeito cascata nos modelos de governança das políticas estaduais e municipais; e, não menos importante, deixa um recado que, para o Governo que se inicia, o exercício da cidadania parece só ter importância no momento do voto no processo eleitoral. Por Patrícia Constante Jaime, no Jornal da USP

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O que sobreviveu dos tesouros da Notre-Dame?

Além da riqueza arquitetônica, catedral abrigava preciosidades religiosas e artísticas, como relíquias, esculturas e pinturas. Após o incêndio, sua estrutura foi preservada, mas há incertezas sobre vitrais e pinturas. Após o incêndio que atingiu parte da Catedral de Notre-Dame nesta segunda-feira (15/04), a fachada principal e as torres dos sinos ainda continuam a impor-se na pequena Île de la Cité, entre as duas margens do rio Sena. A parte norte e o telhado, com a queda da chamada flecha em forma de agulha, foram as partes mais afetadas, e os bombeiros continuam os trabalhos de inspeção na estrutura. O fogo na catedral – um dos edifícios mais icônicos de Paris, da França e da arte gótica – foi declarado extinto pelas autoridades francesas pouco antes das 10h (hora local) desta terça-feira. O incêndio teve início na segunda-feira por volta das 18h50 e, portanto, só foi extinto após cerca de 15 horas. A estrutura básica exterior foi considerada salva pelos bombeiros. Sua importância para a França e a capital do país já se inicia na própria praça da catedral, porque dali são calculadas até hoje todas as distâncias francesas, a partir de um ponto definido como marco zero. Mais antiga que o Louvre ou a Torre Eiffel, a Notre-Dame é considerada um dos monumentos mais emblemáticos de Paris,sendo visitada anualmente por 13 milhões de pessoas. Sua construção começou no século 12, mais precisamente em 1163, e durou mais de 180 anos, tendo sido inaugurada em 1345. Fachada oeste é um tesouro em si. Preservada após o incêndio, há incerteza em torno dos vitrais Dedicada à Virgem Maria (Notre-Dame ou Nossa Senhora), a construção da igreja acompanhou o próprio desenvolvimento de Paris, pois a antiga catedral era pequena demais para a futura metrópole europeia. Além dos sinos, gárgulas, vitrais e rosáceas que também adornam muitas outras catedrais, uma das principais atrações da Notre-Dame é a sua própria arquitetura, que se difere de muitas igrejas góticas da época. Enquanto no resto da Europa, novas formas de gótico estavam em voga no século 13, Paris não aderiu a essas tendências, resgatando formas do antigo gótico, com elementos horizontais numa proporção calculada e equilibrada. Fachada harmônica Marco zero marca início da contagem de distâncias a partir da praça da Notre-Dame Como exemplo, o site oficial da Catedral de Notre-Dame destaca a fachada oeste como o primeiro tesouro do edifício. Felizmente, o fogo que atingiu a torre norte conseguiu ser extinto durante a noite, preservando a fachada e seus cinco portões, construídos entre 1200 e 1250. As proporções da fachada são baseadas num arranjo especial de quadrados que formam retângulos aproximadamente na relação de lados 2: 3. Aqui se realizou o ideal de Santo Agostinho: uma arquitetura cujas proporções são baseadas em consonâncias musicais (harmonia de tons), que por sua vez refletem a ordem harmônica do universo. Paris introduziu uma inovação decisiva no projeto da fachada: a galeria real acima da área do portal como um símbolo da união entre igreja e monarquia. Sobre essa fachada, 28 estátuas representam os reis de Judá e de Israel, ancestrais de Cristo. Já no século 13 as pessoas pensavam neles como os reis da França. Esta série de estátuas reais em grande formato influenciou algumas das catedrais mais importantes, como Reims e Amiens. Acima desses personagens, em ambos os lados da fachada, estão as estátuas de Adão e Eva. No centro, uma grande rosácea, cujo diâmetro mede quase 10 metros, forma uma auréola para a estátua da Virgem Maria com seu filho, Jesus, que é emoldurada por dois anjos. Três grandes rosáceas adornam fachadas da Notre-Dame, mas liga que une peças suporta mal variações de calor Vitrais do século 13 A Notre-Dame de Paris abrigava três grandes vitrais, construídos no século 13, representando as flores do paraíso, como rosas com pétalas de vidros coloridos. As rosáceas norte e sul são maiores, com 13 metros de diâmetro. Cada medalhão representa um personagem: profetas, santos, anjos, reis, cenas da vida dos santos, obras de canto, virtudes – todos girando em torno do medalhão central: duas rosáceas apresentam a Virgem e o Menino Jesus, a outra, Cristo em majestade. Ainda há incertezas quanto aos vitrais da catedral. Com o calor do fogo e a queda da estrutura de madeira do telhado, partes dos medalhões podem ter sido destruídas, assim como o chumbo que as liga pode ter derretido. Philippe Marsset, vigário-geral da arquidiocese de Paris e um dos primeiros a entrar na catedral à noite, descreveu cenas de “bombardeio” e “vitrais explodidos”. No entanto, as rosáceas na fachada norte parecem ter sido poupadas, de acordo com várias testemunhas. Uma delas deve ser desmontada rapidamente para que não caia, escreveu o Le Figaro nesta terça-feira. Flecha projetada por Viollet-le-Duc foi um dos tesouros a sucumbir ao fogo Torres e estátuas Em forma de agulha, a flecha sobre o telhado da catedral foi logo consumida pelo fogo. Essa torre, com 93 metros de altura, havia sido construída em 1860 por Eugène Viollet-le-Duc, um dos arquitetos mais importantes do século 19, durante a longa restauração pela qual a igreja passou a partir de 1844. As 16 estátuas de cobre que adornavam a torre, representando os doze apóstolos e os quatro evangelistas, escaparam das chamas. Elas haviam sido removidas de sua base há apenas alguns dias para serem restauradas. Os sinos também são considerados um importante tesouro da catedral e fazem parte da história de Paris. São 13 no total, com nomes de santos. Três estavam na torre que desabou no incêndio, a chamada “flecha”, em forma de agulha. De acordo com Le Figaro, o sino Bourdon, com 13 toneladas, e os outros sinos restaurados em 2013 escaparam intactos. Estátuas de cobre foram retiradas para restauração poucos dias antes do incêndio Tesouros religiosos e artísticos Além de sua riqueza arquitetônica, a Notre-Dame de Paris abrigava tesouros religiosos e artísticos, como relíquias, esculturas e pinturas. Embora ainda haja incerteza sobre a extensão das perdas, muitos deles puderam ser salvos, como a coroa de espinhos que se acredita ter sido usada por Jesus Cristo antes da

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