Mário Sérgio Cortella: Bem-formada, nova geração chega mal-educada às empresas, diz filósofo
Cortella lança o livro “Por que fazemos o que fazemos?” sobre a busca de propósito no trabalho Segunda-feira, seis da manhã. O despertador toca e você não quer sair da cama. Está cansado? Ou não vê sentido no que faz? Na introdução de seu livro, o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella coloca em poucas palavras o questionamento central da obra Por que fazemos o que fazemos?. Trata da busca por um propósito no trabalho, uma das maiores aflições contemporâneas. Em entrevista à BBC Brasil, Cortella, também doutor em Educação e professor, fala como um mundo de múltiplas possibilidades levou as pessoas a negarem ser apenas uma peça na engrenagem. O filósofo explica como a combinação de um cenário imediatista, anos de bonança e pais protetores fez com que a “busca por propósito” dos jovens seja muitas vezes incompatível com a realidade. “No dia a dia, eles se colocam como alguém que vai ter um grande legado, mas ficam imaginando o legado como algo imediato.” Essa visão “idílica”, afirma, transforma escritórios e salas de aula em palcos de confronto entre gerações. “Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada. Não tem noção de hierarquia, de metas e prazos e acha que você é o pai dela.” Leia os principais trechos da entrevista abaixo: BBC Brasil – O que desencadeou a volta da busca pelo propósito? Mario Sergio Cortella – A primeira coisa que desencadeou foi um tsunami tecnológico, que nos colocou tantas variáveis de convivência que a gente fica atordoado. A lógica para minha geração foi mais fácil. Qual era a lógica? Crescer, estudar. Era escola, e dependendo da tua condição, faculdade. Não era comunicação em artes do corpo. Era direito, engenharia, tinha uma restrição. Essa overdose de variáveis gerou dificuldade de fazer escolhas. Isso produz angústia em relação a esse polo do propósito. Por que faço o que estou fazendo? Faço por que me mandam ou por que desejo fazer? Tem uma série de questões que não existiam num mundo menos complexo. Não foi à toa que a filosofia veio com força nos últimos vinte anos. Ela voltou porque grandes questões do tipo “para onde eu vou?”, “quem sou eu?”, vieram à tona. Livro de Cortella foi lançado em julho e traz reflexão sobre trabalho BBC Brasil – Podemos dizer que nesse contexto vai ser cada vez menor o número de pessoas que não tem esses questionamentos? Mario Sergio Cortella – Cada vez menor será o número de pessoas que não se incomoda com isso. O próprio mundo digital traz o tempo todo, nas redes sociais, a pergunta: “por que faço o que faço?”, “por que tomo essa posição?”. E aquilo que os blogs e os youtubers estão fazendo é uma provocação: seja inteiro, autêntico. É a expressão “seja você mesmo”, evite a vida de gado. BBC Brasil – No seu livro, você fala da importância do reconhecimento no trabalho. Qual é ela? Mario Sergio Cortella – O sentir-se reconhecido é sentir-se gostado. Esse reconhecimento é decisivo. A gente não pode imaginar que as pessoas se satisfaçam com a ideia de um sucesso avaliado pela conquista material. O reconhecimento faz com que você perca o anonimato em meio à vida em multidão. No fundo, cada um de nós não deseja ser exclusivo, único, mas não quer ser apenas um. Eu sou um que importa. E sou assim porque é importante fazer o que faço e as pessoas gostam. BBC Brasil – Pelo que vemos nas redes sociais, os jovens estão trazendo essa discussão de forma mais intensa. Você percebeu isso? Mario Sergio Cortella – Há algum tempo tenho tido leitores cada vez mais jovens. Como me tornei meio pop, é comum estar andando num shopping e um grupo de adolescentes pedir para tirar foto. Uma parcela dessa nova geração tem uma perturbação muito forte, em relação a não seguir uma rota. E não é uma recuperação do movimento hippie, que era a recusa à massificação e à destruição, ao mundo industrial. Hoje é (a busca por) uma vida que não seja banal, em que eu faça sentido. É o que muitos falam de ‘deixar a minha marca na trajetória’. Isso é pré-renascentista. Aquela ideia do herói, de você deixar a sua marca, que antes, na idade média, era pelo combate. O destaque agora é fazer bem a si e aos outros. Não é uma lógica franciscana, o “vamos sofrer sem reclamar”. É o contrário. Não sofrer, se não for necessário. Uma das coisas que coloco no livro é que não há possibilidade de se conseguir algumas coisas sem esforço. Mas uma das frases que mais ouço dos jovens, e que para mim é muito estranha, é: quero fazer o que eu gosto. ‘Tsunami tecnológico’ gerou volta da busca por um propósito, diz Cortella Image copyrightTHINKSTOCK BBC Brasil – Esse é um pensamento comum entre os jovens quando se fala em carreira. Mario Sergio Cortella – Muito comum, mas está equivocado. Para fazer o que se gosta é necessário fazer várias coisas das quais não se gosta. Faz parte do processo. Adoro dar aulas, sou professor há 42 anos, mas detesto corrigir provas. Não posso terceirizar a correção, porque a prova me mostra como estou ensinando. Não é nem a retomada do ‘no pain, no gain’ (‘sem dor, não há ganho’). Mas é a lógica de que não dá para ter essa visão hedonista, idílica, do puro prazer. Isso é ilusório e gera sofrimento. BBC Brasil – O sofrimento seria o choque da visão idílica com o que o mundo oferece? Mario Sergio Cortella – A perturbação vem de um sonho que se distancia no cotidiano. No dia a dia, a pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato. Gosto de lembrar uma história com o Arthur Moreira Lima, o grande pianista. Ao terminar uma apresentação, um jovem chegou a ele e disse ‘adorei o concerto, daria a vida para tocar piano