QUAIS E QUANTAS AUTORIDADES TÊM FORO NO BRASIL? CAVALCANTE FILHO, J. T. & LIMA, F. R. Foro, Prerrogativa e Privilégio (Parte 1): Quais e quantas autoridades têm foro no Brasil? Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/ CONLEG/Senado, Abri/2017 (Texto para Discussão nº 233). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 27 de abril de 2017. RESUMO O foro por prerrogativa de função é adotado no Brasil e em outros países, a pretexto de se proteger o exercício da função pública pelos que a ocupam. Faltam, contudo, estudos sobre como esse foro se desenvolveu no Brasil; sobre quantas e quais autoridades possuem foro especial, em cada uma das esferas federativas, bem como sobre a quantidade total de pessoas que gozam dessa prerrogativa. O objetivo deste estudo é, com base em pesquisas à Constituição Federal e às Constituições Estaduais, definir quais autoridades possuem foro especial no Brasil, qual a fonte normativa para a prerrogativa em relação a cada uma delas, bem como quantas pessoas efetivamente se sujeitam a esse regime especial de competência. INTRODUÇÃO E METODOLOGIA Não são novas as discussões sobre a manutenção ou a revogação – total ou parcial – do foro por prerrogativa de função, no direito brasileiro. Essas discussões não se têm refletido, contudo, em estudos acadêmicos aprofundados, especialmente do ponto de vista quantitativo, sobre quais e quantas são as autoridades que possuem prerrogativa de foro no Brasil, em todas as esferas federativas. É reconhecido que a tomada de decisão sobre um determinado tema, no âmbito legislativo e mesmo no judicial, exige o perfeito delineamento do problema e da situação fática que se busca normatizar ou decidir (2). Nesse sentido, é de causar estranheza que se discuta tanto a existência ou não da prerrogativa de foro sem que haja um diagnóstico preciso sobre a situação atual concreta desse instituto no Brasil. Por conta disso, resolvemos realizar tal pesquisa, que analisou todas as constituições estaduais e a Lei Orgânica do Distrito Federal, além da Constituição Federal (CF), para mapear todos os casos válidos de atribuição de foro especial no direito brasileiro. Num segundo momento, foram pesquisadas as bases de dados federais, estaduais, distritais e municipais, a fim de precisar, na medida do possível, o quantitativo de pessoas que ocupem cargos agraciados com foro especial. Em virtude da complexidade e extensão da matéria, resolvemos publicar o estudo em duas partes. Na primeira, que ora se apresenta, realizamos um trabalho mais descritivo, sobre como o foro opera no direito em vigor. Numa segunda parte, a ser publicada em breve, realizaremos uma avaliação crítica sobre o foro e sobre as propostas de sua alteração. Em virtude dessa divisão, este Texto centra-se principalmente no aspecto fático – quantas e quais autoridades possuem foro – sem adentrar no mérito qualitativo dessa prerrogativa, que será analisado na segunda parte. Também é preciso registrar que os dados relativos à esfera estadual variam muito e de forma muito rápida. O número de membros do Ministério Público Estadual, por exemplo, pode variar de um dia para o outro, com provimentos e vacâncias ocorrendo a toda hora. Por conta disso, optamos por recolher os dados sobre o quantitativo de autoridades com foro no sítio eletrônico da própria instituição, quando possível, ou em sítio de outra instituição pública confiável (por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça). O grau de atualização dos dados estaduais é variável, de modo que algumas unidades da federação possuem dados consolidados de março de 2017, ao passo que outras disponibilizam registros que remontam a 2015. De toda sorte, quando a mera consulta aos sítios eletrônicos não foi suficiente para a obtenção das informações, recorreu-se aos requerimentos baseados na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, 18 de novembro de 2011), inclusive por e-mail. Quando até esse procedimento não logrou sucesso, recorremos ao contato telefônico com a própria instituição. Em virtude de todos esses fatores, pode-se dizer que o grau de segurança do presente levantamento remonta à casa das centenas, caso se trabalhe com uma margem de erro de dez por cento. De todo modo, o levantamento é válido por dar uma estimativa e informar a ordem de grandeza dos agentes contemplados com foro por prerrogativa de função. Pontuamos, ainda, que, nos casos em que a previsão de foro pela constituição estadual foi declarada inconstitucional pelo STF (como, por exemplo, no caso da Constituição Goiana, que atribuía foro especial aos delegados de polícia), o quantitativo dessas autoridades não foi contabilizado. Ressaltamos, ademais, que este estudo é de responsabilidade única e exclusiva dos consultores que o subscrevem, não representando, necessariamente, opinião institucional da Consultoria Legislativa do Senado Federal. O BRASIL NO MUNDO: CONTEXTUALIZAÇÃO DO FORO À LUZ DO DIREITO COMPARADO Antes da exposição das autoridades e dos seus quantitativos, é preciso esclarecer, inicialmente, que o foro por prerrogativa de função consiste no direito concedido aos ocupantes de alguns cargos de serem julgados originariamente, e em especial nas ações de natureza penal, por determinados órgão judiciais, designadamente os tribunais especificados na Constituição ou nas leis de regência, e não por aquele juiz de primeira instância que, em tese, seria o juiz natural da causa. Ao contrário do que ordinariamente se pensa, o foro por prerrogativa de função não é exatamente algo raro nas Constituições ao redor do mundo. Newton Tavares Filho, em estudo específico sobre o tema, aponta que diversas outras nações ocidentais conferem foro especial a autoridades. O problema do ordenamento brasileiro, aponta, é a quantidade de cargos com essa imunidade formal. Pedimos vênia para transcrever parte relevante do estudo citado: Foi na Constituição de 1988, entretanto, que o sistema de atribuição de foros privilegiados atingiu seu paroxismo, englobando uma enorme gama de autoridades. Hoje, por determinação da Constituição Federal ou de leis que dela decorrem, possuem foro especial por prerrogativa de função o Presidente e o Vice-Presidente da República; os membros do Congresso Nacional; os Ministros do Supremo Tribunal Federal; o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado; os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes