Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no Brasil Cada funcionário seria responsável por controlar de 20 a 50 perfis falsos | Ilustração: Kako Abraham/BBC São sete da manhã e um rapaz de 18 anos liga o computador em sua casa em Vitória, no Espírito Santo, e dá início à sua rotina de trabalho. Atualiza o status de um dos perfis que mantém no Facebook: “Alguém tem um filme para recomendar?”, pergunta. Abre outro perfil na mesma rede. “Só queria dormir a tarde inteira”, escreve. Um terceiro perfil: “Estou com muita fome”. Ele intercala esses textos com outros em que apoia políticos brasileiros. Esses perfis não tinham sua foto ou nome verdadeiros, assim como os outros 17 que ele disse controlar no Facebook e no Twitter em troca de R$ 1,2 mil por mês. Eram, segundo afirma, perfis falsos com fotos roubadas, nomes e cotidianos inventados. O jovem relatou à BBC Brasil que esses perfis foram usados ativamente para influenciar o debate político durante as eleições de 2014. As evidências reunidas por uma investigação da BBC Brasil ao longo de três meses sugerem que uma espécie de exército virtual de fakes foi usado por uma empresa com base no Rio de Janeiro para manipular a opinião pública, principalmente, no pleito de 2014. A estratégia de manipulação eleitoral e da opinião pública nas redes sociais seria similar à usada por russos nas eleições americanas, e já existiria no Brasil ao menos desde 2012. A reportagem identificou também um caso recente, ativo até novembro de 2017, de suposto uso da estratégia para beneficiar uma deputada federal do Rio. A reportagem entrevistou quatro pessoas que dizem ser ex-funcionários da empresa, reuniu vasto material com o histórico da atividade online de mais de 100 supostos fakes e identificou 13 políticos que teriam se beneficiado da atividade. Não há evidências de que os políticos soubessem que perfis falsos estavam sendo usados. Com ajuda de especialistas, a BBC Brasil identificou como os perfis se interligavam e seus padrões típicos de comportamento. Seriam o que pesquisadores começam a identificar agora como ciborgues, uma evolução dos já conhecidos robôs ou bots, uma mistura entre pessoas reais e “máquinas” com rastros de atividade mais difíceis de serem detectados por computador devido ao comportamento mais parecido com o de humanos. Parte desses perfis já vinha sendo pesquisada pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo, coordenado pelo pesquisador Fábio Malini. “Os ciborgues ou personas geram cortinas de fumaça, orientando discussões para determinados temas, atacando adversários políticos e criando rumores, com clima de ‘já ganhou’ ou ‘já perdeu’”, afirma ele. Exploram o chamado “comportamento de manada”. “Ou vencíamos pelo volume, já que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de maioria”, diz um dos ex-funcionários entrevistados. Esta reportagem é a primeira da série Democracia Ciborgue, em que a BBC Brasil mergulha no universo dos fakes mercenários, que teriam sido usados por pelo menos uma empresa, mas que podem ser apenas a ponta do iceberg de um fenômeno que não preocupa apenas o Brasil, mas também o mundo. Segundo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), a suspeita de que esse seria um serviço oferecido normalmente para candidatos e grupos políticos “faz pensar que a prática deva já estar bem disseminada nesse ambiente político polarizado e que vai ser bastante explorada nas eleições de 2018, que, ao que tudo indica, serão ainda mais polarizadas que as últimas de 2014”. Philip Howard, professor do Instituto de Internet da Oxford, vê os ciborgues como “um perigo para a democracia”. “Democracias funcionam bem quando há informação correta circulando nas redes sociais”, afirma, colocando os fakes ao lado do problema da disseminação das fake news, ou seja, notícias falsas. Direito de imagemGETTY IMAGESRobôs estariam tentando manipular opinião pública nas redes sociais no Brasil desde 2012 Exército fake Em 2012, segundo os entrevistados pela BBC Brasil, o empresário carioca Eduardo Trevisan, proprietário da Facemedia, registrada como Face Comunicação On Line Ltda, teria começado a mobilizar um exército de perfis falsos, contratando até 40 pessoas espalhadas pelo Brasil que administrariam as contas para, sobretudo, atuar em campanhas políticas. Inicialmente, a BBC Brasil entrou em contato com Trevisan por telefone. Ele negou que sua empresa crie perfis falsos. “A gente nunca criou perfil falso. Não é esse nosso trabalho. Nós fazemos monitoramento e rastreamento de redes sociais”, afirmou, pedindo que a reportagem enviasse perguntas por email. “Os serviços em campanhas eleitorais prestados pela Facemedia estão descritos e registrados pelo TSE, de forma transparente. Por questões éticas e contratuais, a Facemedia não repassa informações de clientes privados”, respondeu, posteriormente, por email (leia resposta completa na parte final desta reportagem). Empresário criou a página Lei Seca RJ, que alerta motoristas para locais de blitze no Rio | Reprodução/Facebook Trevisan, cujo perfil pessoal no Twitter carrega a descrição “Brasil, Pátria do Drible”, tem quase um milhão de seguidores. Ele ganhou projeção com sua página Lei Seca RJ, criada em 2009. Seguida por 1,2 milhão de usuários, ela alerta motoristas para locais de blitze no Rio. Um ex-funcionário disse ter sido contratado justamente achando que trabalharia administrando o Twitter do Lei Seca RJ. “Era um trabalho bem sigiloso. Não sabia que trabalharia com perfis falsos”, diz. Quando descobriu, conta, passou a esconder de amigos e familiares o que fazia. Hoje, afirma, tem medo de falar, porque trabalhou “para gente muito importante” e teria assinado um contrato de sigilo com a empresa. Políticos Os depoimentos dos entrevistados e os temas dos tuítes e publicações no Facebook levam aos nomes de 13 políticos que teriam sido beneficiados pelo serviço, entre eles os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Renan Calheiros (PMDB-AL) e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). A atuação era variada. Para Aécio, perfis supostamente falsos publicaram, por exemplo, mensagens elogiosas ao