Ontem (17), uma operação da Polícia Federal realizada em Minas Gerais, Bahia e São Paulo prendeu seis líderes da seita. As investigações apontaram que os dirigentes da organização estariam mantendo pessoas em regime de escravidão nas fazendas do Sul de Minas. Os fiéis ainda entregavam todos os seus bens à instituição sob a promessa de viverem em uma comunidade onde tudo é dividido por todos. Na última segunda-feira (17), a Polícia Federal (PF) deflagrou a operação “De Volta Para Canaã”, que investiga líderes da seita religiosa Jesus, a Verdade que Marca. Os envolvidos (já foram expedidos 129 mandados judiciais) responderão pela prática dos crimes de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, estelionato, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro em três estados brasileiros: Minas Gerais, Bahia e São Paulo.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A VICE colheu depoimentos exclusivos de uma ex-frequentadora e de uma fiel que até hoje segue os passos da igreja evangélica. Os investigadores da PF estimam que o patrimônio recebido em doações feitas pelos fiéis chegue a pouco mais de R$ 100 milhões. Estabelecimentos comerciais, como postos de gasolinas e restaurantes pertencentes aos líderes, que supostamente colocavam tudo em nomes de “laranjas”, também estão sendo investigados. Entre os líderes detidos, está o vereador do Partido Trabalhista Cristão (PTC) Miguel Donizete Gonçalves, de São Vicente de Minas (MG). Procurado pela VICE, seu advogado, Ronaldo Ramos, informou não ter nada a declarar sobre o caso por enquanto. Canaã, segundo o Velho Testamento da Bíblia, era a terra prometida por Deus a seu povo. Um lugar que emanava “leite e mel”. Um paraíso. Daí o nome da operação da PF (não tem nada a ver com o Síntese). “Ele chegou a bater no meu rosto algumas vezes quando eu não concordava com alguma coisa”, relata Sônia* sobre um religioso da seita. O ano era 2001 quando Sônia* ouviu o programa de rádio da igreja pela primeira vez. Frequentadora havia pouco tempo, logo recebeu o convite de Cícero Vicente Araújo, o pastor Araújo – um dos principais líderes – para morar no templo da Lapa, bairro da cidade de São Paulo. “Interrompi os estudos e larguei o trabalho. Dediquei-me à obra na igreja morando em um galpão. [Havia] quartos separados para irmãos e irmãs”, conta a ex-fiel. “No começo, achei a melhor coisa da minha vida. Experiência incrível. Até começarem as duras correções às quais éramos submetidos.” Além de ter a obrigação de orar o tempo todo e confessar coisas do passado, Sônia revela que chegou a ser agredida fisicamente por um evangelista. “Ele se chamava Ivan. Hoje, parece que está nas fazendas ou na Bahia. Ele chegou a bater no meu rosto algumas vezes quando eu não concordava com alguma coisa.” O pastor Araújo, a quem Sônia via como um pai – e que no começo chegou a ajudá-la até mesmo comprando roupas –, não tomava atitudes e “fingia não saber de nada”. “Éramos como uma família, e o respeitava como pai. Fico triste em saber que ele se tornou essa pessoa inescrupulosa. [Ele] se preocupava, mas, depois que a esposa faleceu e ele começou a comprar fazendas, virou outra pessoa. Acho que o dinheiro subiu muito à cabeça.” Até o fechamento desta reportagem, a VICE não conseguiu falar com representantes em São Paulo da igreja Jesus, a Verdade que Marca. OSTENTAÇÃO Em entrevista à TV Alterosa, um dos delegados responsáveis pelo caso informou que o luxo fazia parte da rotina da alta cúpula da igreja. “As investigações apontam que os dirigentes ostentam carros luxuosos, moram em mansões suntuosas e estão adquirindo um patrimônio considerável”, detalhou o policial. Assim como inúmeros relatos chocantes espalhados pela internet, em que pessoas dizem ter doado casas, carros e dinheiro para a seita, Sônia explica que por muito tempo trabalhou sem registro e sem receber um centavo. Chegou até a vender trufas na rua. “Era para o bem comum e da igreja. Com o dinheiro das vendas, eles compraram mais comércios e, nessa época, já estavam adquirindo fazendas em Minas Gerais. Moravam mais lá do que aqui, em São Paulo.” “Essa história do chip é a pura realidade. Só a igreja que se separa e não usa essa porcaria. A própria Dilma já anunciou”, explicou Carol Dèll Boar, fiel da igreja, sobre uma das pregações de Araújo, supondo que o governo controlaria todos com um chip. Em nota oficial, a PF aponta que os líderes religiosos estariam mantendo pessoas em regime de escravidão nas fazendas onde desenvolviam suas atividades e rituais religiosos. “Os fiéis, ao ingressarem na seita, eram convencidos a doar seus bens sob o argumento da convivência em uma comunidade onde tudo seria de todos e, em seguida, obrigados a trabalhar sem qualquer espécie de pagamento”, detalha o documento. Sônia comenta que o pastor Araújo propagava a ideia de um biochip que amaldiçoaria dissidentes. “Ele falava: ‘Se você sair da comunidade evangélica Jesus, A Verdade que Marca, maldições virão até você. [Você] será marcado pelo chip e também nunca conseguirá se firmar em lugar nenhum. Porque a verdade só está lá’.”. Fiel da igreja e defensora ferrenha do pastor Araújo, Carol Dèll Boar, confirma isso. “Essa história do chip é a pura realidade. Vai chegar no Brasil. Só a igreja que se separa e não usa essa porcaria. A própria Dilma já anunciou.” Sônia explica melhor o assunto: “Olha, esse negócio do chip é velho. Ele pregava muito sobre isso, e foi aí que as fazendas cresceram”. Segundo a ex-integrante, Araújo alertava os fiéis que o governo instalaria um chip em todo mundo para ter controle sobre a vida das pessoas. “Em 2005, começou a loucura total. Com medo, o povo largou casa, vendeu tudo, abandonou as famílias e foi pras fazendas. Só via gente comprando roupas e estocando coisas que pudessem levar para o mato. Até lanterna, botas…” “Eles sabem que serão perseguidos, mas estão dispostos a morrer por Cristo”, afirma a fiel Carol Dèll Boar, sobre as pessoas que hoje vivem