A Justiça no Piauí decidiu que as operadoras brasileiras deveriam bloquear o WhatsApp já que os responsáveis pelo comunicador não forneceram dados solicitados, desobedecendo uma ordem da Justiça. Se não ficou sabendo disso, acalme-se: não há mais risco do WhatsApp ser bloqueado no Brasil, pelo menos por enquanto, já que a decisão foi derrubada na semana passada. Mas seria mesmo tecnicamente possível bloquear o acesso ao aplicativo? A verdade é que sim. É possível bloquear, embora também seja possível burlar o bloqueio. Com as operadoras brasileiras impedindo o acesso ao serviço do WhatsApp, internautas seriam obrigados a achar um provedor externo, acessível, para servir de “ponte” no acesso e configurar o aplicativo para usar essa rede. Esse último passo provavelmente exigiria algum esforço, mas ainda é realizável. No fim das contas, sairia perdendo o brasileiro que não poderia falar com seus amigos no exterior que usam o WhatsApp. Afinal, a situação dentro do país já estava aparentemente se resolvendo, com o uso do Telegram. O que é engraçado nisso é que o Telegram é ainda mais privativo que o WhatsApp. Enquanto o WhatsApp está apenas começando a ter conversas privadas e antigrampo – as quais o WhatsApp não pode fornecer à Justiça, mesmo que seja solicitado, simplesmente porque não as têm –, o Telegram já dispõe desse recurso. Em outras palavras, se os usuários envolvidos estivessem usando o Telegram, ou se o pedido fosse feito daqui mais alguns meses, é provável que não haveria dado algum para que a Justiça solicitasse. O que seria feito nesse caso?[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A julgar pelo desfecho até o momento, nada seria feito. Pelo visto, já aceitamos a realidade em que nada pode ser feito: não dá para multar, não dá para solicitar, é desproporcional bloquear. Resta desistir. No entanto, é difícil de acreditar que estamos entendendo as consequências dessa postura. Acordo de cooperação Existe um acordo de cooperação entre o Brasil e os Estados Unido para facilitar a troca de informações que autoridades precisam para investigar crimes. De acordo com o juiz Luiz de Moura Correia – o que inicialmente ordenou o bloqueio do WhatsApp –, esses dados foram solicitados por meio do acordo. Nenhuma informação chegou à polícia do Piuaí. A demora nesse tipo de solicitação não é incomum. Por causa disso, a Justiça brasileira já decidiu que não é preciso fazer uso dessa via quando forem solicitados dados de brasileiros envolvendo ações no Brasil. O funcionamento desse acordo, portanto, permanece moribundo e usuários brasileiros dependem da boa vontade de empresas estrangeiras. Isso acaba sendo pior para o Brasil, já que a ausência de representação no país não é exclusividade do WhatsApp. Brasileiros que têm problemas ou que necessitam de dados de qualquer outro serviço continuarão tendo dificuldade para obter as informações. Com o risco do bloqueio do WhatsApp – evidentemente indesejável – esse detalhe ficou esquecido. Afinal, melhor esquecer tudo do que perder o WhatsApp. Sem dados para revelar Em breve, no entanto, essa questão pode deixar de existir, pelo menos para o WhatsApp. Com a adoção de criptografia, as únicas informações que poderão ser obtidas de um perfil são a foto e o nome. Considerando-se que a foto não é muito útil e que é preciso um número de telefone para obter o nome, e este pode ser obtido junto ao cadastro da operadora no Brasil, o WhatsApp não terá nada para oferecer. Isso porque, se a empresa continuar no rumo atual, todas as conversas serão codificadas de tal maneira que apenas os participantes poderão ler as mensagens trocadas. Quem está de fora – inclusive o próprio WhatsApp – não terá acesso algum. Não que investigar torne-se impossível, mas será preciso mais agilidade da polícia e apreensões de aparelhos onde as informações e conversas estejam armazenadas. Mas serviços que não podem cumprir ordens judiciais também serão proibidos, mesmo que a incapacidade esteja relacionada à privacidade de seus usuários? O Brasil não parece querer entrar nessa briga agora, mas o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, já sinalizaram a pretensão de armar o ringue, pedindo que a sociedade discuta os prós e contras da criptografia. O Brasil, aparentemente sem querer, deu o exemplo: “com a criptografia, vocês também não terão os dados, assim como nós não temos”. Nada mais justo. por Altieres Rohr