Miguel de Torga – Versos na tarde – 26/11/2014
Livro de Horas Miguel de Torga¹ Aqui, diante de mim, Eu, pecador, me confesso De ser assim como sou. Me confesso o bom e o mau Que vão em leme da nau Nesta deriva em que vou. Me confesso Possesso Das virtudes teologais, Que são três, E dos pecados mortais Que são sete, Quando a terra não repete Que são mais. Me confesso O dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas E das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo Andanças Do mesmo todo. Me confesso de ser charco E luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco Que atira setas acima E abaixo da minha altura. Me confesso de ser tudo Que possa nascer em mim. De ter raízes no chão Desta minha condição. Me confesso de Abel e de Caim. Me confesso de ser Homem. De ser o anjo caído Do tal céu que Deus governa; De ser o monstro saído Do buraco mais fundo da caverna. Me confesso de ser eu. Eu, tal e qual como vim Para dizer que sou eu Aqui, diante de mim! ¹Adolfo Correia Rocha * Vila Real, Portugal – 12 de Agosto de 1907 d.C + Coimbra, Portugal – 17 de Janeiro de 1995 d.C Foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX. Natural de Trás-os-Montes, viveu e exerceu a sua profissão em Coimbra. Entre muitos outros prêmios, figura o da Sociedade Portuguesa de Escritores. [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]