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Thiago de Melo – Versos na tarde – 21/09/2014

A fruta aberta Thiago de Melo ¹ Agora sei quem sou. Sou pouco, mas sei muito, porque sei o poder imenso que morava comigo, mas adormecido como um peixe grande no fundo escuro e silencioso do rio e que hoje é como uma árvore plantada bem alta no meio da minha vida. Agora sei as coisas como são. Sei porque a água escorre meiga e porque acalanto é o seu ruído na noite estrelada que se deita no chão da nova casa. Agora sei as coisas poderosas que valem dentro de um homem. Aprendi contigo, amada. Aprendi com a tua beleza, com a macia beleza de tuas mãos, teus longos dedos de pétalas de prata, a ternura oceânica do teu olhar, verde de todas as cores e sem nenhum horizonte; com a tua pele fresca e enluarada, a tua infância permanente, tua sabedoria fabulária brilhando distraída no teu rosto. Grandes coisas simples aprendi contigo, com o teu parentesco com os mitos mais terrestres, com as espigas douradas no vento, com as chuvas de verão e com as linhas da minha mão. Contigo aprendi que o amor reparte mas sobretudo acrescenta, e a cada instante mais aprendo com o teu jeito de andar pela cidade como se caminhasses de mãos dadas com o ar, com o teu gosto de erva molhada, com a luz dos teus dentes, tuas delicadezas secretas, a alegria do teu amor maravilhado, e com a tua voz radiosa que sai da tua boca inesperada como um arco-íris partindo ao meio e unindo os extremos da vida, e mostrando a verdade como uma fruta aberta. ¹ Amadeu Thiago de Mello * Barreirinha, AM – 30 Maio 1926 [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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Umberto Eco: sobre livros e eletrônicos

‘Eletrônicos duram 10 anos, livros, 5 séculos’ O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. “Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade” – é a sua preferida. “Não li nenhum”, começa a segunda. “Se não, por que os guardaria?” Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros (“muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques”, informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril. A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento – naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada – encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. “Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes”, comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros – que, no momento, lideram sua preferência – como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos – caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações. Aos 78 anos, Eco – que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) – exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco – envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) – conversou com a reportagem do Sabático. O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias? O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança. Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca? A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar – muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa – é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse

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