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Fernando Pessoa – Prosa na tarde – 02/03/2014

(…) Quantas vezes, sob o peso de um tédio que parece ser loucura, ou de uma angústia que parece passar além dela, paro, hesitante, antes que me revolte, hesito, parando, antes que me divinize. Dor de não saber o que é o mistério do mundo, dor de nos não amarem, dor de serem injustos conosco, dor de pesar a vida sobre nós, sufocando e prendendo, dor de dentes, dor de sapatos apertados – quem pode dizer qual é a maior em si mesmo, quanto mais nos outros, ou na generalidade dos que existem? (…) Escrevo isto sob a opressão de um tédio que parece não caber em mim, ou precisar de mais que da minha alma para ter onde estar; de uma opressão de todos e de tudo que me estrangula e desvaira; de um sentimento físico da incompreensão alheia que me perturba e esmaga. Mas ergo a cabeça para o céu azul alheio, exponho a face ao vento inconscientemente fresco, baixo as pálpebras depois de ter visto, esqueço a face depois de ter sentido. Não fico melhor, mas fico diferente. Ver-me liberta-me de mim. Quase sorrio, não porque me compreenda, mas porque, tendo-me tornado outro, me deixei de poder compreender. No alto do céu, como um nada visível, uma nuvem pequeníssima é um esquecimento branco do universo inteiro. Fernando Pessoa sob pseudônimo de Bernardo Soares, em o Livro Do Desassossego. >> biografia de Fernando Pessoa [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Ética. Produto escasso no Brasil

José Bonifácio, quando assumiu o comando do governo de dom Pedro I, logo depois da Independência, cortou os salários dos ministros pela metade. De 800 mil reis passaram para 400. No fim do mês, recebeu o dele, foi ao teatro e pôs embaixo do chapéu, na cadeira ao lado. No intervalo, quando voltou, nem chapéu nem dinheiro. Alguém tinha levado. Teve que pedir dinheiro emprestado para pagar as contas. O imperador soube e mandou o ministro da Fazenda, Martim Francisco, irmão de José Bonifácio, pagar-lhe um segundo salário.O ministro se negou: – Majestade, vou pedir licença para não cumprir a ordem. – Por quê? – Primeiro, pelo mau exemplo. Cada um tem que cuidar do que é seu. Segundo, porque o ano tem 12 meses para todos e não pode ter 13 para o um funcionário descuidado. Terceiro, porque vou dividir o meu com ele. Borges de Medeiros, Antonio Augusto Borges de Medeiros, filho de pai pernambucano e juiz em Pouso Alegre (MG) e desembargador no Rio Grande do Sul, formou-se em Direito em São Paulo. Pequenininho, magrinho, sempre de paletó, gravata, colete, bigodinho e cavanhaque, constituinte de 1891, governou o Rio Grande do Sul 24 anos, de 1898 a 1908, de 1913 a 1915 e de 1916 a 1928. Não tinha casa. Morava de aluguel. Quando deixou o governo, voltou para a velha casa de aluguel. Não tinha do que viver, nem dinheiro para pagar o aluguel. Amigos sugeriram: – Doutor Medeiros (todos sempre o chamaram assim e de “chefe unipessoal do Partido Republicano Rio-grandese”), temos uma solução. Ponha uma tabuleta na sua janela: – “Advogado”. E logo terá a maior e melhor banca de advocacia do Rio Grande. – É verdade. Mas não posso. Todos os membros desses tribunais e os juízes atualmente em atividade foram nomeados por mim. Logo, não posso advogar no Rio Grande. A mulher costurou até morrer, em 1957. Ele morreu em 1961, 97 anos. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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