Theófilo Silva – Reflexões na tarde – 18/01/2014
Os Passionais Theófilo Silva¹ “Paixão… Tornas possíveis as coisas que não são consideradas possíveis. Tu te comunicas com os sonhos… Ages de acordo com o irreal e fazes do nada teu associado”. Na peça Conto de Inverno, Leontes, rei da Sicília, o mesmo que pronuncia as palavras acima, está muito feliz porque seu amigo de infância Políxenes, rei da Boêmia, veio visitá-lo. Quem está feliz também é Hermione, esposa de Leontes, que através de Políxenes saberá como era seu marido na juventude. No entanto, repentinamente tudo muda. Na curta permanência de Políxenes, Leontes passa a violentos ataques de ciúmes, que vão crescendo até se tornarem exteriores. Leontes tem certeza que Hermione está traindo-o com Políxenes. Seu ciúme chega ao auge, quando pede a um funcionário sábio e leal, que envenene Políxenes, que acaba de voltar para a Sicília. Camilo descumpre a ordem e foge. Tudo piora, quando Hermione aparece grávida. Leontes não tem mais dúvidas, Hermione é uma adúltera, manda prendê-la e submetê-la a julgamento. Mesmo sendo aconselhado por seus assessores para agir com prudência, Leontes com sua passividade excessiva sai contaminando tudo ao seu redor. Passado o tempo, eis que nasce uma linda garota, que tem os olhos, a boca, o nariz e o sorriso de Leontes. Não há dúvida, a menina é mesmo filha de Leontes. Mas Leontes não acredita. Cego à verdade, amaldiçoa a garota, dando ordens para levarem-na para o mais distante possível dele. O caso toma proporções tão desmedidas, que foi necessário o envio de emissários para consultar o oráculo de Apolo, a única instância capaz de convencer o rei ensandecido. Durante o julgamento de Hermione, chega à resposta do oráculo, que declara Hermione inocente e Políxenes um tirano. Mas o estrago já estava feito. O passionalismo de Leontes o cegara completamente. Seu julgamento do caráter da esposa, e mais ainda, de duvidar da honra do rei de um país amigo, o levaram a um estado de confusão e desespero. Sem contar os prejuízos das relações da Boêmia com a Sicília. O Dr. Johnson diz em Rasselas, “toda a força da imaginação sobre a razão é um grau de insanidade”. Quando Shakespeare afirma que, “a paixão age de acordo com o irreal e se associa ao nada”, ele nos avisa dos perigos a que estamos expostos quando julgamos preconceituosamente situações desconhecidas. Quando exercemos um papel de liderança, qualquer que seja ele, político, de opinião, ou outros, não podemos agir precipitadamente, pois caímos no ridículo ou mesmo na tragédia. Se “a paixão se comunica com os sonhos”, queremos transformá-los em realidade. E quase sempre, isso não é possível. Mais ainda, às vezes as pessoas estão submetidas a ambientes e situações estranhas, sendo possível à perda de contato com a realidade, ainda que temporário. Assim como Leontes. E quando sonhadores julgam sonhadores, ainda que a distância, o perigo é ainda maior. E nós, para Shakespeare “somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”. Devemos ser cuidadosos. ¹Theófilo Silva é presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]