Fabricio Carpinejar – Versos na tarde – 08/09/2013
Fragmento I Fabricio Carpinejar¹ Pouco crescemos no que aprendemos, o sabor de um livro antigo está em jovem esquecê-lo. Eu alterei a ordem do teu ódio. Fiz fretes de obras na estante. Mudava os títulos de endereços em tua biblioteca e rastreavas, ensandecido, aquele morto encadernado que ressuscitou quando havias enterrado a leitura, aquele coração insistente, deixando atrás uma cova aberta na coleção. Sou também um livro que levantou dos teus olhos deitados. Em tudo o que riscavas, queria um testamento. Assim recolhia os insetos de tua matança, o alfabeto abatido nas margens. Folheava os textos, contornando as pedras de tuas anotações. Retraído, como um arquipélago nas fronteiras azuis. Desnorteado, como um cão entre a velocidade e os carros. Descia o barranco úmido de tua letra, premeditando os tropeços. Sublinhavas de caneta, visceral, impaciente com o orvalho, a fúria em devorar as idéias, cortar as linhas em estacas da cruz, marcá-las com a estada. Tua pontuação delgada, um oceano na fruta branca. Pretendias impressionar o futuro com a precocidade. A mãe remava em tua devastação, percorria os parágrafos a lápis. O grafite dela, fino, uma agulha cerzindo a moldura marfim. Calma e cordata, sentava no meio-fio da tinta, descansando a fogueira das folhas e grilos. Cheguei tarde para a ceia. Preparava o jantar com as sobras do almoço. Lia o que lias, lia o que a mãe lia. Era o último a sair da luz. ¹Fabricio Carpi Nejar * Caxias do Sul, RS – 1972 [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]