Walt Whitman – Versos na tarde – 17/03/2013
Canção de mim mesmo Walt Whitman ¹ Eu celebro a mim mesmo, E o que eu assumo você vai assumir, Pois cada átomo que pertence a mim pertence a [ você. Vadio e convido minha alma, Me deito e vadio à vontade …. observando uma [ lâmina de grama do verão. Casas e quartos se enchem de perfumes …. as [ estantes estão entulhadas de perfumes, Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o [ reconheço, Sua destilação poderia me intoxicar também, [ mas não deixo. A atmosfera não é nenhum perfume …. não tem [ gosto de destilação …. é inodoro, É pra minha boca apenas e pra sempre …. estou [ apaixonado por ela, Vou até a margem junto à mata sem disfarces e [ pelado, Louco pra que ela faça contato comigo. A fumaça de minha própria respiração, Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros …. raiz [ de amaranto, fio de seda, forquilha e videira, Minha respiração minha inspiração …. a batida [ do meu coração …. passagem de sangue e [ ar por meus pulmões, O aroma das folhas verdes e das folhas secas, [ da praia e das rochas marinhas de cores [ escuras, e do feno na tulha, O som das palavras bafejadas por minha voz …. [ palavras disparadas nos redemoinhos do [ vento, Uns beijos de leve …. alguns agarros …. o [ afago dos braços, Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto [ oscilam seus galhos sutis, Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos [ campos e encostas de colina, Sensação de bem-estar …. apito do meio-dia [ …. a canção de mim mesmo se erguendo [ da cama e cruzando com o sol. Uma criança disse, O que é a relva? trazendo um [ tufo em suas mãos; O que dizer a ela ?…. sei tanto quanto ela o que [ é a relva. Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito, [ tecida de uma substância de esperança verde. Vai ver é o lenço do Senhor, Um presente perfumado e o lembrete derrubado [ por querer, Com o nome do dono bordado num canto, pra que possamos ver e examinar, e dizer É seu ? O blablablá das ruas …. rodas de carros e o [ baque das botas e papos dos pedestres, O ônibus pesado, o cobrador de polegar [ interrogativo, o tinir das ferraduras dos [ cavalos no chão de granito. O carnaval de trenós, o retinir de piadas [ berradas e guerras de bolas de neve ; Os gritos de urra aos preferidos do povo …. [ o tumulto da multidão furiosa, O ruflar das cortinas da liteira — dentro um [ doente a caminho do hospital, O confronto de inimigos, súbito insulto, [ socos e quedas, A multidão excitada — o policial e sua estrela [ apressado forçando passagem até o centro [ da multidão; As pedras impassíveis levando e devolvendo [ tantos ecos, As almas se movendo …. será que são invisíveis [ enquanto o mínimo átomo é visível ? Que gemidos de glutões ou famintos que [ esmorecem e desmaiam de insolação [ ou de surtos, Que gritos de grávidas pegas de surpresa, [ correndo pra casa pra parir, Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui…. [ quantos uivos reprimidos pelo decoro, Prisões de criminosos, truques, propostas [ indecentes, consentimentos, rejeições de [ lábios convexos, Estou atento a tudo e as suas ressonâncias …. [ estou sempre chegando. Sou o poeta do corpo, E sou o poeta da alma. Os prazeres do céu estão comigo, os pesares do [ inferno estão comigo, Aqueles, enxerto e faço crescer em mim mesmo [ …. estes, traduzo numa nova língua. Sou o poeta da mulher tanto quanto do homem, E digo que é tão bom ser mulher quanto ser [ homem, E digo que não há nada maior que a mãe dos [ homens. Vadio uma jornada perpétua, Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos [ confortáveis e um cajado arrancado [ do mato ; Nenhum amigo fica confortável em minha [ cadeira, Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia; Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à [ biblioteca ou à bolsa de valores, Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher [ entre vocês, Minha mão esquerda enlaça sua cintura, Minha mão direita aponta paisagens de [ continentes, e a estrada pública. Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada [ pra você, Você tem que percorrê-la sozinho. Não é tão longe assim …. está ao seu alcance, Talvez você tenha andado nela a vida toda e não [ sabia, Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a [ água e sobre a terra. Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em [ frente; Toparemos com cidades maravilhosas e nações [ livres no caminho. Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a [ mão macia em meu quadril, E quando for a hora você fará o mesmo por mim; Pois depois de partir não vamos mais parar. “Canção de Mim Mesmo” – in Folhas de Relva – Edição bilíngüe, tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes Ed. Iluminuras, São Paulo, 2005 ¹ Walt Whitman * Long Island, Usa – 31 de Maio de 1819 d.C + Long Island, Usa – 26 de Março de 1892 d.C Arte: Carlos Costa – Em carne viva,2012 – Nanquim e aguada sobre papel – 15x10cm [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]