Nós, 7 bilhões do planeta Terra, terceiro à direita de quem vem do Sol, gostaríamos de lavrar nosso protesto. Nós, 7 bilhões, por uma vez estamos quase todos de acordo: não somos 7 bilhões e protestamos com veemência contra a arbitrariedade que não tem outro propósito a não ser nos assustar com a possibilidade de uma explosão populacional. Nós, 7 bilhões, desconfiamos da data escolhida para marcar um evento sem fundamento científico: o dia em que também se comemora o Halloween, Dia das Bruxas e ainda “Raloim”. Nós, 7 bilhões, questionamos a validade das pesquisas que indicam o nascimento de um de nós a cada 51 minutos. Nós, 7 bilhões, perguntamos pelos dados referentes a quantos sobem, pedem o boné ou batem com as dez por minuto? Nós, 7 bilhões, consideramos a omissão um desrespeito aos mortos deste e de todos os tempos. Nós 7 bilhões, insistimos em saber por que não 7.101.345.857 ou 6.978.502.231, com casa decimal para indicar evolução fracionária? Nós, 7 bilhões, aceitamos o capricho numerológico, que não é mais que uma faixa a ser dada para o heptabilionésimo habitante desta bola achatado nos polos, que também está fichada e registrada como Mundo em estudos tidos como de séria metodologia. Nós, 7 bilhões, teríamos prazer em cumprimentar este cidadão, mas não acatamos como verdade a conta imaginada. Nós, 7 bilhões, aceitamos, no entanto, as cifras, para não criar mais um caso entre as organizações que lidam com essas supostas verdades. Nós, 7 bilhões, reiteramos nossa boa vontade e disposição afim de não criar marolas, ondas ou tsunamis num planeta já caquético e manquitola. Nós, 7 bilhões, agradecemos o fato de que ainda não fomos chamados de terráqueos. Quando, e se tal acontecer, nós, 7 bilhões, nos defenderemos com qualquer arma que estiver à mão, seja pedra ou engenho nuclear. Nós, 7 bilhões, somos gente. Pobres, desgraçados, sofridos, humilhados, ofendidos, pisoteados, doentes, esfomeados e sedentos, mas gente. Não repararam nisso? Nós, 7 bilhões, nos revoltamos com essa transformação em número a que nos impuseram. Nós, 7 bilhões, desconfiamos desse relógio empregado para nós e das motivações para seu uso. Nós, 7 bilhões, não somos simbólicos. Nós, 7 bilhões, não fazemos parte de qualquer rede de comunicação social. Nós, 7 bilhões, estamos sós. Sós, sós, sós. Nós, 7 bilhões, fedorentos e esfarrapados, pouco importa nosso verdadeiro número (que ninguém sabe e nunca saberá), já nos acostumamos, em nossa miséria, a canalhices e injustiças maiores. Nós, 7 bilhões, empunhando cartazes imaginários porém eloquentes e cobertos de verdades, acampamos e ocupamos este planeta acusando que ele deveria ser nosso mas é de vocês, uma minoria que se recusa a ser contada em qualquer engenho informático. Nós, 7 bilhões, não endossamos produto algum. Nós, 7 bilhões, não temos nada o que comprar e pouco para vender. Nós, 7 bilhões, vamos vivendo, por assim dizer. Nós, 7 bilhões, sabemos ou assistimos ao que decidiram que é contagem: subiu um aqui agora, e outro ali e mais outro logo adiante. Nós, 7 bilhões, apontamos para o fato com choro e vela. Nós, 7 bilhões, ouvimos o espoucar de vários chegando em seguida, os tais “51 por minuto”, e, apesar de todos os enganos, esperançosos, louvamos o fato. Nós, 7 bilhões, observamos que eles já vêm brincando de onomatopeia, como se fossem essas, como serão, suas únicas chupetas: plop e plop e plop. Nós, 7 bilhões, não somos 7 bilhões. Somos a quadratura do círculo, o número secreto que jaz por trás da construção das pirâmides, o pi em toda sua extensão. Ninguém nos conhece, ninguém nos conhecerá. Fiquem descansados. Apesar de tudo, só chacinamos por uma questão de estética e equilíbrio. Mas chacinamos. Contem quantos somos, só não contem conosco. Ivan Lessa/BBC Londres