Guilherme de Almeida – Versos na tarde
Branca de Neve Guilherme de Almeida ¹ Eu te guardo no fundo da memória, como guardo, num livro, aquela flor que marca a tua delicada história, Branca de Neve, meu primeiro amor. Amei-te… E amei-te, figurinha aluada, porque nunca exististe e porque sei que o sonho é tudo — e tudo mais é nada… E és o primeiro sonho que sonhei. Hoje ainda beijo, comovido e tonto, a velha mão que um dia me mostrou aquela estampa do teu lindo conto, princesinha encantada de Perrault! Que fui eu afinal? — Um pobre louco que andou, na vida, procurando em vão sua Branca de Neve que era um pouco do sonho e um pouco de recordação… Procurei-a. Meus olhos esperaravam vê-la passar com flores e galões, tal qual passaste quando te levaram, no ataúde de vidro, os sete anões. E encontrei a Saudade: ia alva e leve na urna do passado que, afinal, é como o teu caixão, Branca de Neve: é um ataúde todo de cristal. E parecia morta: mas vivia. Corado do meu beijo que a roçou, despertei-a do sono em que dormia, como o Príncipe Azul te despertou. Sinto-me agora mais criança ainda do que naqueles tempos em que li a tua história mentirosa e linda; pois quase chego a acreditar em ti. É que o meu caso (estranha extravagância!) é a tua história sem tirar nem pôr… E esta velhice é uma segunda infância, Branca de Neve, meu primeiro amor. Guilherme de Almeida, 1952 * Campinas, SP. – 24 de julho de 1890 d.C + São Paulo, SP. – 11 de julho de 1969 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]