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Sophia Andresen – Versos na tarde

Poema Sophia Andresen ¹ Sou o único homem a bordo do meu barco. Os outros são monstros que não falam, Tigres e ursos que amarrei aos remos, E o meu desprezo reina sobre o mar. Gosto de uivar no vento com os mastros E de me abrir na brisa com as velas, E há momentos que são quase esquecimento Numa doçura imensa de regresso. A minha pátria é onde o vento passa, A minha amada é onde os roseirais dão flor, O meu desejo é o rastro que ficou das aves, E nunca acordo deste sonho e nunca durmo. ¹ Sophia de Mello Breyner Andresen * Porto, Portugal – 6 de Novembro de 1919 d.C + Lisboa, Portugal – 2 de Julho de 2004 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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iPad e a vitrola

A vitrola e o iPad Antônio Prata ¹ Num arroubo napoleônico, disse a mim mesmo: “Do alto desta estante, dois séculos me contemplam! QUANDO A VITROLA e o iPad chegaram à minha casa, na mesma noite, semana passada, me senti como um anfitrião recebendo convidados muito díspares para jantar: temi que se desentendessem. Coloquei-os lado a lado, sobre um móvel da sala: a tia velha, saindo do fundo de um armário, após vinte anos de hibernação, na casa do meu sogro; o “enfant terrible”, recém-chegado de um shopping, nascido, quem sabe, há menos de um mês. Constatando suas diferenças, num arroubo napoleônico, disse a mim mesmo: “Do alto desta estante, dois séculos me contemplam!” A vitrola é a epítome do século 20, era da mecânica: engrenagens, correias, a agulha de metal, feita para percorrer as ranhuras do vinil. Cada música, uma faixa: concreta, visível, tangível, até. Cada disco, dois lados, A e B, como o mundo de então, dividido entre americanos e russos, mocinhos e bandidos, o pop e o underground, Arena e MDB, Globo e SBT. Um tempo em que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa. Ponto.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Na lateral do toca discos, o acabamento imitando madeira: mais do que mero adorno, um tributo que a modernidade precisava pagar à tradição, naquela época em que o novo ainda tinha que buscar legitimação no passado. (Lembro-me dos assentos vermelhos da Viação Cometa, onde lia-se: “Esta poltrona é revestida do mais nobre dos materiais: couro legítimo”. Penso nas sandálias Havaianas, cujas tiras e sola imitam, respectivamente, o trançado do tecido e a superfície de palha dos chinelos japoneses em que se inspiraram). Já o iPad, como os outros “is” da Apple, não busca legitimar-se na tradição. O iPhone não imita o telefone, o iPod não finge ser um walkman, nem o tablet é um computador em miniatura. (Não é sugestivo que a empresa de Steve Jobs chame-se Apple e que, no logotipo, a maçã apareça mordida, evocando o primeiro ato do Homem contra Deus, e, portanto, contra a tradição?) Trajando sua capa de borracha preta, o iPad tem ares de cowboy futurista. Seus únicos pertences são o laço, perdão, o cabo de energia, com o qual captura a eletricidade de que se alimenta, e o lenço sintético, usado para remover de sua tela cristalina as eventuais máculas mundanas. Não precisa de discos nem disquetes, sequer tem entrada USB: recolhe do ar as músicas, filmes, livros e jogos que, invisíveis, pairam sobre nossas cabeças. No dia em que os dois aparelhos chegaram, achei que o tablet ocuparia todo o espaço, silenciando a vitrola. O iPad, de fato, me conquistou, mas quanto mais me perdia por seus labirintos virtuais, mais compreendia o encanto da ultrapassada solidez dos discos. Quando a agulha toca a superfície do vinil e, segundos antes do início da música, aquele chiado toma conta da sala, é como se eu desse um trago num cigarro, depois de anos e anos sem fumar. Podem dizer que é só poeira, estática e nostalgia, que seja, mas o crepitar funciona como um discreto acalanto, um leve afago vindo do passado, de um tempo em que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa e havia apenas dois lados, A e B, nessa deslumbrante confusão em que o mundo se transformou. antonioprata.folha@uol.com.br blog Crônica e Outras Milongas antonioprata.folha.blog.uol.com.br

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Inacreditável: Deputado vê maldição na África e podridão em gays

Quando você acha que nada de mais baixo que a sarjeta o ser humano é capaz de freqüentar, sempre surge alguém capaz de surpreender. Para pior. E o mais terrível é quando quem chapinha nas proximidades do esgoto do caráter humano é alguém que se diz pastor. Que tipo de ovelhas integra tal rebanho? Quem seguirá tais pregações permeadas, subliminarmente pelo ódio e a discriminação? Ao pastor é recomendável uma leitura na Bíblia, em Ezequiel 18,20: […] “não existe maldição hereditária” […] O Editor Jair Bolsonaro (PP-RJ) não está só. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP) despejou no twitter frases que convertem o inaceitável em inacreditável. Coisas assim: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato…” Ou assim: “A maldição que Noé lança sobre seu neto, Canaã, respinga sobre continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas!” Mais ainda: “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição”. Os comentários correram a web. Houve pronta reação. Internautas inconformados trovejaram mensagens no microblog do deputado. Muitos o compararam a Bolsonaro. E ele: “Quanto ao deputado Bossonaro, não sei o que ele falou. Eu falo por mim e respondo por mim e apenas por mim”. Tacharam-no de racista. E Feliciano: “Repudio, e espero retratação dessa banda podre que permeia o twitter! Eu seria contra a minha mãe caso fosse racista!” Qualificaram-no de homofóbico. E o deputado: “Bora cristãos! […] Retuitem isso: Amamos os homossexuais mas abominamos suas práticas promíscuas![ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Como a reação não cessou, Feliciano, que se apresenta como pastor da igreja Assembléia de Deus, produziu um texto maior. Pendurou-o no sítio que mantém na internet. Dividiu-o em três pedaços: “explanação”, “explicação” e “denúncia”. Quem lê a peça, disponível aqui, se dá conta de que o deputado-pastor acredita mesmo no que diz. Pior: ele atribui seu ideário ao Padre Eterno. Escorando-se em trechos pinçados do Livro dos livros, Feliciano reitera: “Bem, citando a Bíblia e a história, a veracidade sobre a postagem [no twitter]: Africanos descendem de Cão, filho de Noé”. Mais adiante, acrescenta: “Como Cristãos, cremos em bençãos e, portanto, não podemos ignorar as maldições”. A alturas tantas, o deputado faz uma concessão à gente negra da África: “Também cremos que toda vez que o homem, a familia, o país, entrega os seus caminhos ao Senhor, toda maldição é quebrada na cruz de Cristo!…” “…Tem ocorrido isso no continente africano. Milhares de africanos têm devotado sua vida a Deus e por isso o peso da maldição tem sido retirado…” Na parte final de seu texto, o pedaço dedicado à “denúncia”, Feliciano se diz perseguido desde a campanha eleitoral de 2010. A coisa começou, conta ele, quando apresentou “ao povo evangélico” as leis que tramitavam na Câmara. Citou o projeto de lei 122, que criminaliza a homofobia. “Comecei a receber ataques, ameaças, xingamentos, e outras coisas mais que não vale a pena citar aqui”. Feliciano apresenta suas credenciais: “Sou o deputado evangélico mais votado do País”. O deputado identifica o rival: “No twitter existe um grupo de homoafetivos que deturpam tudo o que digo, e dessa vez foram longe demais!” Ele faz um chamamento à sua tribo: “Alerta à comunidade evangélica! Estamos sob fogo cruzado!…” “…É preciso uma ação coletiva de repúdio a esses ataques e a essas infames insinuações. Isso pode provocar o ódio, a cólera, a ira, e sabe Deus o que mais…” “…Recebi uma mensagem de ameaça de morte dizendo que estou na lista ao lado de pastores como Silas Malafaia e outros”. Em letras maísculas, o deputado anota: “NÃO SOU HOMOFÓBICO”. Heimmm?!?! “O que as pessoas fazem nos seus quartos não é do meu interesse…” “…Sou contra a promiscuidade que fere os olhos de nossos filhos, quer seja na rua, nos impressos, na net ou na TV”. De novo, em maísculas: “NÃO SOU RACISTA!” Como assim? “Sou Brasileiro com um sangue miscigenado por africanos, índios e europeus. SOU CRISTÃO, sim Senhor”. No final, Feliciano pede “oração a todo o povo cristão brasileiro, os que lutam pela família, os que amam ao Senhor”. Bolsonaro está sob risco. Se não se cuidar, perderá suas bandeiras. O colega Marco Feliciano revela-se um pós-Bolsonaro. Em verdade, um pós-tudo. Espanta que esteja na Câmara. Espanta ainda mais que tenha sido levado a Brasília pelo voto. Deus, obviamente, existe. Mas o deputado Feliciano é a prova de que Ele já não dá expediente integral. Não resta senão mimetizar Sua Sua Excelência: Oremos, irmãos! blog Josias de Souza

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Eduardo Galeano – Frase do dia

“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Eduardo Galeano

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