Brasil: da série “só doi quando eu rio!” O deputado João Paulo Cunha do PT — acusado e indiciado em processo penal em andamento no Supremo Tribunal Federal, conhecido como escândalo do mensalão — acaba de ser guindado à presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal. Mais que um acinte a moralidade, tal investidura na mais importante comissão técnica da Câmara Federal, é um claro deboche da classe política, cujos tentáculos amorais bordejam a sarjeta do cinismo explícito, à cidadania. Para se ter uma ideia da importância da CCJ, é ela que analisa os projetos apresentados pelos deputados e decide se são constitucionais ou não — os projetos só têm tramitação se são considerados constitucionais. Recomenda a prudência — baseada no princípio constitucional da presunção da inocência — que suas ex-celências aguardassem o resultado do julgamento no STF, para só então, se absolvido, o referido deputado assumisse a presidência da CCJ. O Editor O governo e o Congresso tentam constranger o STF com a absolvição simbólica dos mensaleiros. Augusto Nunes/Veja Vista de longe, a ascensão do deputado João Paulo Cunha à presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara parece uma patifaria a mais na rotina de obscenidades que transformou o Congresso numa Casa do Espanto. Se um José Sarney preside o Senado, se reuniões de líderes frequentemente lembram rodas de conversa em pátio do presídio, se o corregedor da Câmara chegou ao posto por ter sido o melhor aluno do professor de bandalheiras Severino Cavalcanti, não há nada de espantoso na entrega do comando da mais importante comissão a um parlamentar acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro no processo sobre o mensalão que corre no Supremo Tribunal Federal. Sim a escolha feita pela bancada do PT não surpreendeu ninguém: essa gente não não desperdiça chances de debochar dos brasileiros honestos. Mas a exumação festiva do presidente da Câmara do Mensalão não foi um ultraje qualquer, alerta a contemplação menos ligeira do episódio. Associada a meia dúzia de infâmias recentes, a afronta atesta que está na fase dos arremates a ofensiva, concebida em parceria pelo governo e pelo Congresso, destinada a constranger o STF e livrar do merecidíssimo castigo a quadrilha que protagonizou o maior escândalo da história da República.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Em 17 de julho de 2005, depois de 40 dias de sumiço e mudez impostos pelo dilúvio de revelações desencadeado pelo deputado Roberto Jefferson, Lula recuperou a voz em Paris para explicar que onde todos viam uma roubalheira de dimensões amazônicas ele só conseguia enxergar um caso de caixa 2. Em agosto, num pronunciamento transmitido pela TV, o presidente ainda na defensiva declarou-se “traído” sabe-se lá por quem, reconheceu que o PT cometera “erros” e recomendou ao partido que pedisse desculpas ao país. Mudou abruptamente de rumo em janeiro de 2010. “O mensalão não existiu”, decidiu a metamorfose ambulante. Como é que é?, deveriam ter berrado em coro milhões de brasileiros estarrecidos com o colosso de provas e evidências expostas nas conclusões da CPI dos Correios, na denúncia encaminhada ao STF pelo procurador-geral da República Antonio Fernando Souza e no processo conduzido pelo ministro Joaquim Barbosa. Num país menos surreal, o assassino da verdade seria alvejado por pilhas de depoimentos e malas abarrotadas de dinheiro. Aqui, a frase virou manchete. (Abro um parêntese para registrar que o azar de Al Capone foi ter nascido um século mais cedo e no lugar errado. Caso agisse no Brasil deste começo de milênio, poderia afirmar sem medo de réplicas que a máfia só existiu na cabeça de um bandido chamado Elliot Ness, e garantir que trata o Fisco com tamanho respeito que acabou de ser convidado para cuidar das declarações de renda das carmelitas descalças. Terminaria a entrevista como forte candidato a acumular a superintendência da Receita Federal com a chefia Casa Civil. Fecho o parêntese). A frase de Lula, sabe-se agora, foi a senha para o início da operação destinada a premiar os pecadores com absolvições simbólicas antes que o bando dos 40 fosse julgado pela última instância do Judiciário. No banco dos réus, estariam bons companheiros inocentados pelo Executivo e pelo Legislativo. “O mensalão não existiu”, repetiram Dilma Rousseff, José Sarney e Marco Maia até que o mantra se transformasse em síntese da versão partilhada pelos dois poderes. Se o mensalão não existiu, não houve crimes. Se não houve crimes, não há criminosos a punir. Há injustiças a reparar e injustiçados a redimir. Como João Paulo Cunha. ESPERTEZA PERIGOSA É ele o terceiro da lista que começou com José Dirceu, prosseguiu com José Genoíno e será completada por Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Dirceu recuperou o direito de entrar no Planalto pela porta da frente e foi incorporado à coordenação da campanha de Dilma Rousseff. Rebaixado pelas urnas a suplente de deputado federal, Genoíno foi convidado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, para servir ao país como assessor especial. No processo que o STF promete julgar ainda neste ano, Dirceu se destaca como “chefe da organização criminosa sofisticada” e Genoíno, então presidente do PT, capricha no papel de gerente da fábrica de dinheiro sujo. Ambos acusados de formação de quadrilha e corrupção ativa, um já virou conselheiro da presidente e outro logo estará aconselhando o ministro que, envergando uma toga, presidiu o Supremo nos piores momentos do escândalo. Falta agora reconduzir Delúbio e Silvinho à direção do PT. Consumada a reabilitação da dupla, os cinco oficiais graduados do bando dos 40 poderão sentar-se no banco dos réus exibindo na lapela o crachá com a inscrição “inocente”. “Não há pena definitiva ou perpétua”, declamou nesta semana o deputado Marco Maia. “O Delúbio, como outros dirigentes do partido, já pagaram uma pena altíssima pelas atitudes que tiveram”, prosseguiu o assassino da verdade e da gramática. “Precisamos dar oportunidade ao Delúbio ou a qualquer outro que tenha passado por essa situação a reconstruir sua vida política”. Uma pausa ligeira e, de novo, o mantra: ” Tenho dito em todos os momentos que essa questão de mensalão não