O que vem acontecendo no Egito mais que expor a realidade, até aqui disfarçada, de uma ditadura que já se preparava para virar dinastia, serve para demonstrar a inacreditável desfaçatez com que a mídia tradicional embota a opinião pública mundial. Até então, a serviço das grandes negociatas transnacionais, ditaduras haviam no Irã, Líbia, Coréia do Norte, Cuba, etc., mas jamais se falou que Hosni Mubarak era um ditador, com um tempo de “reinado’ capaz de deixar, por longevo, com inveja os grandes Faraós que reinaram no Egito. Da mesma forma cínica e manipuladora, o ditador da China, Hu Jintao, é hipocritamente chamado de presidente. Para o professor Reginaldo Nasser da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), e especialista em relações internacionais no Oriente Médio, “falta apoio internacional para que seja derrubado de uma vez o governo ditatorial de Muhammad Hosni Said Mubarak, há 30 anos no poder.” E continua: “Os Estados Unidos têm papel dúbio, para não dizer hipócrita”, e o Brasil está igual aos Estados Unidos… Diz que torce para as coisas saírem bem e pronto”. O Editor PS 1. Obama diz, pasmem, que Mubarak é um “patriota”! Putz! Por analogia, Fidel, Kim Jong Il, Kadafi, Rei Abdullah, Hu Jintao, Chaves…, também o são. Ou não? PS 2. Sei que novamente levarei um ‘puxão de orelhas’ seguido do inevitável “é a economia, estúpido”! Ignacio Ramonet/Carta Maior Uma ditadura na Tunísia? No Egito, uma ditadura? Vendo os meios de comunicação se esbaldarem com a palavra “ditadura” aplicada a Tunísia de Bem Alí e ao Egito de Moubarak, os franceses devem estar se perguntando se entenderam ou leram bem. Esses mesmos meios de comunicação e esses mesmos jornalistas não insistiram durante décadas que esses dois “países amigos” eram “Estados moderados”? A horrível palavra “ditadura” não estava exclusivamente reservada no mundo árabe muçulmano (depois da destruição da “espantosa tirania” de Saddam Hussein no Iraque) ao regime iraniano? Como? Havia então outras ditaduras na região? E isso foi ocultado pelos meios de comunicação de nossa exemplar democracia? Eis aqui, em todo caso, um primeiro abrir de olhos que devemos ao rebelde povo da Tunísia. Sua prodigiosa vitória liberou os europeus da “retórica hipócrita de ocultamento” em vigor em nossas chancelarias e em nossa mídia. Obrigados a tirar a máscara, simulam descobrir o que sabíamos há algum tempo (1), a saber, que as “ditaduras amigas” não são mais do que isso: regimes de opressão. Sobre esse assunto, os meios de comunicação não têm feito outra coisa do que seguir a “linha oficial”: fechar os olhos ou olhar para o outro lado confirmando a ideia de que a imprensa só é livre em relação aos fracos e aos povos isolados. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Por acaso Nicolás Sarkozy não teve a altivez de assegurar que na Tunísia “havia uma desesperança, um sofrimento, um sentimento de angústia que, precisamos reconhecer, não havíamos apreciado em sua justa medida”, ao se referir ao sistema mafioso do clã Ben Alí-Trabelsi? “Não havíamos apreciado em sua justa medida…” Em 23 anos…Apesar de contar, neste país, com serviços diplomáticos mais prolíficos que os de qualquer outro país…Apesar da colaboração em todos os setores da segurança (polícia, inteligência…) (2). Apesar das estâncias regulares de altos responsáveis políticos e midiáticos que estabeleciam ali descomplexadamente seus locais de veraneio… Apesar da existência na França de dirigentes exilados da oposição tunisiana, mantidos marginalizados como pesteados pelas autoridades francesas e com acesso proibido durante décadas aos grandes meios de comunicação… Democracia ruinosa… Na realidade, esses regimes autoritários foram (e seguem sendo) protegidos de modo complacente pelas democracias européias, que desprezaram seus próprios valores sob o pretexto de que constituíam baluartes contra o islamismo radical (3). O mesmo argumento cínico usado pelo Ocidente durante a Guerra Fria para apoiar ditaduras militares na Europa (Espanha, Portugal, Grécia e Turquia) e na América Latina, pretendendo impedir a chegada do comunismo ao poder. Que formidável lição das sociedades árabes revolucionárias aqueles que, na Europa, os descreviam em termos maniqueístas, ou seja, como massas dóceis submetidas a tiranos orientais corruptos ou como multidões histéricas possuídas pelo fanatismo religioso. E agora, de repente, elas surgem nas telas de nossos computadores e televisores (conferir o admirável trabalho da Al-Jazeera), preocupadas com o progresso social, não obcecadas pela questão religiosa, sedentas de liberdade, cansadas da corrupção, detestando as desigualdades e reclamando democracia para todos, sem exclusões. Longes das caricaturas binárias, esses povos não constituem de modo algum uma espécie de “exceção árabe”, mas sim se assemelham em suas aspirações políticas ao resto das ilustradas sociedades urbanas modernas. Um terço dos tunisianos e quase um quarto dos egípcios navegam regularmente pela internet. Como afirma Moulay Hicham El Alaoui: “Os novos movimentos já não estão marcados pelos velhos antagonismos como anti-imperialismo, anticolonialismo ou antisecularismo. As manifestações na Tunísia e no Egito são, até aqui, desprovidas de todo simbolismo religioso. Constituem uma ruptura geracional que refuta a tese do excepcionalismo árabe. Além disso, esses movimentos são animados pelas novas metodologias de comunicação da internet. Eles propõem uma nova versão da sociedade civil, onde o rechaço ao autoritarismo anda de mãos dadas com o rechaço à corrupção” (4). Especialmente graças às redes sociais digitais, as sociedades da Tunísia e do Egito se mobilizaram com grande rapidez e puderam desestabilizar o poder em tempo recorde. Ainda antes de os movimentos terem a oportunidade de “amadurecer” e favorecer a emergência de novos dirigentes entre eles. É uma das raras ocasiões onde, sem líderes, sem organizações dirigentes e sem programa, a simples dinâmica da exasperação das massas bastou para conseguir o triunfo da revolução. Trata-se de um momento frágil e, sem dúvida, as grandes potências já estão trabalhando, especialmente no Egito, para que “tudo mude sem que nada mude”, segundo o velho adágio de O Leopardo. Esses povos que conquistaram sua liberdade devem lembrar a advertência de Balzac: “Se matará a imprensa assim como se mata um povo, outorgando-lhe a liberdade” (5). Nas “democracias vigiadas” é muito mais fácil domesticar legitimamente um povo do que nas antigas ditaduras. Mas isso não justifica sua manutenção. Nem deve ofuscar o ardor de derrubar uma tirania. A derrocada da ditadura na Tunísia foi tão veloz que os demais povos magrebinos e árabes chegaram à conclusão de que essas autocracias – as mais velhas do mundo – estavam na verdade profundamente corroídas e não eram, portanto, mais do que “tigres de papel”. Esta demonstração está ocorrendo também no Egito. Daí esse impressionante levante