Arquivo

Anaíde Beiriz – Prosa na tarde

Anaíde Beiriz ¹ “(…) O amor que não se sente capaz de um sacrifício não é amor; será, quando muito, desejo grosseiro, expressão bestial dos instintos, incontinência desvairada dos sentidos, que morre com o objetivar-te, sem lograr atingir aquela altura onde a vida se torna um enlevo, um doce arrebatamento, a transfiguração estética da realidade… E eu não quero amar, não quero ser amada assim… Porque quando tudo estivesse findo, quando o desejo morresse, em nós só ficaria o tédio; nem a saudade faria reviver em nossos corações a lembrança dos dias findos, dos dias de volúpia de gozo efêmero, que na nossa febre de amor sensual tínhamos sonhado eternos. Mas não me julgues por isto diferente das outras mulheres; há, em todas nós, o mesmo instinto, a mesma animalidade primitiva, desenfreada, numas, pela grosseria e desregramento dos apetites; contida, nobremente, em outras, pelas forças vitoriosas da inteligência, da vontade, superiormente dirigida pela delicadeza inata dos sentimento ou pelo poder selético e dignificador da cultura. Não amamos num homem apenas a plástica ou o espírito: amamos o todo. Sim, meu Hery, nós, as mulheres, não temos meio termo no amor; não amamos as linhas, as formas, o espírito ou essa alguma coisa de indefinível que arrasta vocês, homens, para um ente cuja posse é para vocês um sonho ou raia às lides do impossível. Não, meu Hery, não é assim que as mulheres amam. Amam na plenitude do ser e nesse sentimento concentram, por vezes, todas as forças da sua individualidade física ou moral. É pois assim que eu te amo, querido; e porque te amo, sinto-me capaz de esperar e de pedir-te que sejas paciente. O tempo passa lento, mas passa… …E porque ele passa, e porque a noite já vai alta, é-me preciso terminar. Adeus. Beija-te longamente, Anayde” (trecho de uma carta de 4 de julho de 1926 de Anayde Beiriz a Heriberto Paiva) ¹ Anaíde Beiriz * João Pessoa, PB. – 18 de fevereiro de 1905 d.C + Recife, PE. – 22 de outubro de 1930 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

Leia mais »

A Agonia do Neoliberalismo

Vale, por um dia, começar além da política nacional, arriscando um mergulho lá fora. O que continua a acontecer na França, onde montes de carros, escolas, hospitais e residências comuns estão sendo queimados e saqueados? Qual a razão de multidões de jovens irem para as ruas, enfrentando a polícia e depredando tudo o que encontram pela frente? Tornando quase impossível a vida do cidadão comum, não apenas em Paris, mas em muitas cidades francesas, onde instaurou-se o caos. Por que? É preciso notar que o protesto vem das massas, começando pelas massas excluídas, de negros, árabes, turcos e demais minorias que buscaram na Europa a saída para a fome, a miséria e a doença onde viviam, mas frustraram-se, cada vez mais segregados, humilhados e abandonados. Exatamente como em seus países de origem. Não dá mais para dizer que essa monumental revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo. A causa do que vai ocorrendo repousa precisamente no extremo oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo. Da consequência de um pérfido modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando os demais ao desespero e à barbárie. Porque sempre que se registra uma crise econômica nas nações neoliberais, a receita é a mesma, seja na França ou na Grécia, em Portugal ou na Espanha: medidas de contenção anunciadas para reduzir salários, cortar gastos públicos, demitir nas repartições e nas fábricas, aumentar impostos e taxas.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Fica evidente não se poder concordar com a violência. Jamais justificá-la. Mas explicá-la, é possível. Povos de nações e até de continentes largados ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes, tiveram como primeira opção emigrar para os países ricos. Encontrar emprego, trabalho ou meio de sobrevivência. Invadiram a Europa como invadem os Estados Unidos, onde o número de latino-americanos cresce a ponto de os candidatos a postos eletivos obrigarem-se a falar espanhol, sob pena de derrota nas urnas. Preparem-se os neoliberais. Os protestos não demoram a atingir outras nações ricas. Depois, atingirão os ricos das nações pobres. O que fica impossível é empurrar por mais tempo com a barriga a divisão do planeta entre inferno e paraíso, entre cidadãos de primeira e de segunda classe. Segunda? Última classe, diria o bom senso. Como refrear a multidão de jovens sem esperança, também de homens feitos e até de idosos, relegados à situação de trogloditas em pleno século XXI? Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do neoliberalismo em agonia? Não vai dar, à medida em que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula. Explodirá tudo. Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, 40 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse obsceno salário mínimo que querem elevar para 540 reais. Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários. Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego continua presente. São 15 milhões de desempregados em todo o país, ou seja, gente que já trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha, jovens que todos os anos gostariam de entrar no mercado sem nunca ter trabalhado. Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolveram a questão, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção, jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões continuam na miséria. Seria bom o governo Dilma olhar para a França. O rastilho pegou e não será a polícia francesa que vai apagá-lo. Ainda que consiga, reacenderá maior e mais forte pouco depois. Na Europa, nos Estados Unidos e sucedâneos. Até ou especialmente entre nós. Ainda agora assistimos a tragédia na serra fluminense, com os ricos e os remediados fugindo, mas com a população pobre, majoritária, submetida à morte e à revolta. A globalização tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão adquirindo consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de “basta”, “chega”, “não dá mais para continuar”. Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução. O passado não está aí para que o neguemos, senão para que o integremos. O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que não nos dirá o que fazer, mas precisamente o contrário. O passado nos dirá sempre o que evitar. Evitar, por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas. Carlos Chagas/Tribuna da Imprensa

Leia mais »

A febre das compras coletivas

De uma hora para outra os sites de compras coletivas apareceram e, tão rápido quando surgiram, tornaram-se um sucesso instantâneo na rede, dada a sua divulgação viral. Clickon, Grupon, Peixe Urbano, já são mais de 250 empreendimentos semelhantes, só no Brasil. Provavelmente você faz parte de algum e talvez até já tenha comprado alguma coisa. Mas será que o negócio realmente é bom? Ou, perguntando de outra forma, é bom para quem? No recente To Groupon or Not To Groupon: New Research on Voucher Profitability (link para o paper no final do texto), Edelman, Jaffe e Kominers questionam o resultado destas ofertas avaliando sua lucratividade segundo dois aspectos: discriminação de preços (oferecer preços diferentes a grupos distintos de clientes, como fazem as companhias aéreas) e publicidade (divulgação em massa um estabelecimento através da oferta).[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Ora, atrair novos clientes com base em descontos torna-se um bom negócio quando este cliente retorna e paga o preço cheio. Mas este raramente é o caso, conforme conta Utpal M. Dholakia no excelente Why Employees Can Wreck Promotional Offers. Segundo pesquisa realizada por Dholakia com 150 estabelecimentos que usaram os seviços do Groupon entre Junho de 2009 e Agosto de 2010, “a maioria dos usuários está apenas atrás das ofertas, sentem-se no direito de ter um tratamento especial, não gastam mais do que o preço da oferta e não deixam gorjeta”. Tal comportamento, como se é de esperar, tem impacto direto no elo mais fraco da cadeia: os funcionários. Boa parte dos estabelecimentos que participam destas ofertas anunciam itens não muito populares, como peeling de diamante, mergulho autônomo ou passeios de helicóptero. São, portanto, negócios com pouca experiência com o tipo de público atraído e, consequentemente, despreparados para lidar com o volume de procura que acabam atingindo. O resultado é um descasamento entre o que podem oferecer e o que o cliente espera, podendo causar descontentamento para ambos os lados. Mas será que isso não é previsível? Pela inexperiência, os lojistas são incapazes de prever como um fluxo acima da média pode afetar seu negócio. Seus funcionários ficam ressentidos com o trabalho extra (sem a gorjeta extra, como dito antes) e não vêm sentido em vender serviços e mercadorias por um preço tão baixo. Assim, é improvável que ofereçam uma experiência positiva para o cliente. Vai ser ruim, mas vai ser bom… Como será que um restaurante acostumado com uma lotação típica de 60% atenderá seus clientes quando suas mesas ficarem 100% ocupadas por semanas a fio, ainda mais com pessoas que não costumam frequentar este tipo de ambiente? Será que os garçons aguentam? Terão estoques suficientes? A cozinha dará conta da demanda, com a mesma qualidade? Dholakia sugere que os donos dos estabelecimentos precisam se preparar para que o tiro não saia pela culatra. Devem buscar, por exemplo, alternativas para compensar o trabalho a mais e as gorjetas a menos, de forma a obter o buy-in antecipado do seu quadro funcional para aumentar as chances de sucesso da promoção. Outro cuidado que devem ter é evitar que repetidos descontos deteriorem a imagem do serviço, trocando um grande número de clientes no curto prazo pela desvalorização de sua marca no longo prazo. Preços baixos, ainda que promocionais, tendem a estabelecer novos patamares de preços dificultando a volta à tabela tradicional. Caso contrário os sites de compras coletivas correm o risco de ser um serviço que apenas desmascara estabelecimentos que praticam margens de lucro exorbitantes. Veja aqui o paper de Edelman, Jaffe e Kominers (em pdf). fonte: The New Yorker

Leia mais »