Por Adriana Vandoni É economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Articulista de A Gazeta. Blog: http://argumentoeprosa.blogspot.com E-mail: avandoni@uol.com.br Era dia de nos reunirmos, cheguei atrasadíssima, como de costume. E como de costume eles já estavam todos lá numa empolgada discussão sobre o que é ser grande. É um grupo de amigos, amigos queridos de longa data, nem me lembro quando foi que começamos a nos reunir, só sei que é muito gostoso. Um grupo que se pode chamar de eclético: tem um poeta, uma engenheira, um psicólogo, tem uma especialista em lingüística (acho essa palavra um horror), tem até um político…imaginem vocês…tem político discutindo a essência da vida através dos poemas. Pode? Nesse grupo pode! E tem mais, tem um petista que até participou da administração de Lula. Portanto, totalmente eclético. Tem até eu, que participo das discussões mesmo não sendo assim uma expert em poemas, nem assídua leitora de poesias, mas me divirto com o bate-papo, aprendo bastante, porém, quando a coisa começa a entrar no campo muito sério e chato, invariavelmente, entro pra tumultuar o processo. Naquele dia quando cheguei, a conversa sobre ser grande já estava encaminhada e pra me sacanearem, de supetão perguntaram: – Você que está chegando agora, responda: o que faz de uma pessoa um ser grande? Todos pararam e ficaram esperando minha resposta, provavelmente esperando algo consistente e eu bem que sabia o nível da conversa, claro, mas como de costume entro pra tumultuar, respondi: – Comer muito. Quem come muito, engorda e se torna um ser grande. Bem, perdi o começo da discussão, mas provoquei o primeiro intervalo. Claro que estavam falando da grandeza do ser e a bola da vez era Fernando Pessoa. Adoro Fernando Pessoa não só pela sua obra, mas pela sua vida ou suas vidas. Antes de ser um poeta ou ao mesmo tempo, Pessoa foi um inventor, um criador de pessoas. Sua criatividade era tão grande que não cabia nele só e para extravasar tinha a necessidade de criar outros seres. Seres imaginários, imaginados por ele para serem poetas. Poetas dele mesmo. Criou quatro ou mais personagens, cada qual com sua biografia e seu posicionamento diante da vida. Eram seres que de tão distintos, eram reais. Porque Fernando Pessoa fazia isso? Eis o melhor da discussão daquele dia, e cada um com uma opinião mais doida que outra. A engenheira Amalhinha, acha que dessa forma ele conseguia ter mais controle sobre sua obra, assim como se estivesse dividindo em arquivos ou pastas. Explicação prática demais de um poeta. O Manuel, o petista, coitado, começou a dar o seu diagnóstico, mas quando percebeu nossa cara pra ele, saiu com uma que eu adorei: “Oras, quanto mais personagem, mais cueca para esconder dólares”. Tá certo! Começou então aquela gargalhada e palhaçada como se ainda tivéssemos nossos 15 anos. Para resgatar a seriedade, o poeta mais poeta do grupo, logo, o que teria maior propriedade entre nós, senão o único, disse acreditar que Pessoa era esquizofrênico. Será?, Quanta maldade!, mas antes que eu terminasse de pensar, o psicólogo protestou. Rejeitou veementemente a idéia de esquizofrenia e com extrema autoridade como se tivesse sido analista do próprio Fernando Pessoa, disse: ele sofria distúrbio sexual não assumido. Ai meu Jesus Cristinho!, e vem você com suas observações freudianas! Mas será possível, Otavinho, que pra você tudo está relacionado a frustrações sexuais?, comentei. Nisso a Hélia, nossa especialista em lingüística que adora discordar de mim, subiu o tom de voz e me recriminou dizendo que eu estava sendo preconceituosa e que ela, mesmo não sendo psicóloga acha que o problema de Pessoa era sim repressão sexual. – Mas Helinha você achar isso, tudo bem, você deve falar com propriedade, é especialista em lingüística…uma profissão com um nome assim…eu diria…tão fálico. E assim se deu o segundo intervalo. Todos morrendo de rir e a Helinha me prometendo uma revanche. Voltamos e só faltava o comentário meu e do Henrique Roberto ou HR, o político da turma. Eu voltei ao início, lá no significado de ser grande e travei um debate com o Fred, o poeta. Ele comentou que apesar de insistir na esquizofrenia, para ele Fernando Pessoa é a tradução do que é ser grande, completo, inteiro, e declamou uma das odes de Pessoa escrita através de Ricardo Reis, um dos seus personagens: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”. Então é isso, disse eu, para ser um ser grande sem precisar ser gordo, é preciso ser inteiro, convicto e crente. É preciso se entregar de alma ao que se dedica e ceder o melhor ao que se propõe. Para arrematar e encerrar a discussão, pois já estávamos cansados de pensar e gargalhar, HR, o nosso político sentenciou: Concordo com todos e discordo de cada um de vocês.