Casa Branca renova contrato com a Icann e ignora debate na ONU sobre democratização.Jamil Chade – WASHINGTON O governo dos Estados Unidos mantém o controle técnico sobre a internet até 2011. Nesta semana, sem alarde, Washington renovou contrato com a Icann, empresa com sede na Califórnia e responsável pela gestão da rede mundial de computadores. A notícia é um balde de água fria nos objetivos do Brasil e de outros países emergentes que, desde 2003, vêm pressionando para que o controle da internet seja “democrático e multilateral”. O contrato foi renovado por um ano, mas com a opção de que o governo amplie o controle por mais quatro anos. Depois de anos sob controle do governo, a solução foi criar, nos anos 90, uma entidade que pudesse administrar a rede. Mas um entendimento foi concluído entre essa organização, a Icann, e o Departamento de Comércio dos Estados Unidos para que a internet não se tornasse uma rede sem controle da Casa Branca. Em 2002, o governo americano havia indicado que a renovação do acordo por mais quatro anos seria a última e, após esse período, a Icann poderia atuar de forma independente. Mas, desde o ano passado, a Casa Branca vem adotando uma posição diferente e favorável à manutenção do controle. A maioria dos funcionários envolvidos admite que o governo americano está pronto para realizar uma transição para um sistema mais autônomo, mas isso não quer dizer o total afastamento da Casa Branca da administração da rede. Poucos, porém, se arriscam a dizer quanto tempo essa “transição” levaria. Por enquanto, portanto, Washington continua a poder interferir nas operações técnicas que administram os endereços da rede, se julgar necessário. O próximo passo seria renovar outro contrato, também com a Icann, mas com um conteúdo mais político. Por este contrato, a Icann é obrigada a manter e fornecer informações sobre quem registra sites e endereços da web. ConsultaO entendimento está sendo avaliado pelo governo americano que, desde maio, recebe comentários de cidadãos e organizações sobre o acordo. Até agora, a Casa Branca já recebeu mais de 400 sugestões. A decisão americana de renovar sua ligação com a Icann ocorre dois meses antes de uma reunião da ONU na Grécia, que vai discutir o futuro da internet. Em 2005, na Tunísia, uma cúpula das Nações Unidas terminou sem acordo sobre o tema. De um lado, Brasil, China, África do Sul e Índia insistiam que a internet deveria ser controlada por todos e o monopólio da Icann – e portanto dos Estados Unidos – deveria ser revisto. Já Washington deixou claro que não abriria mão desse controle da tecnologia. A Icann alegava que, ao dividir o controle da rede com outros países, existiria o risco de quebra no sistema e mau funcionamento da rede. A ameaça era negada pelos países emergentes.LobbySem consenso, a ONU optou pela criação de um grupo de trabalho que pudesse continuar avaliando o assunto. Mas um dos conselheiros da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Roberto Schaw, alerta que o primeiro encontro desse grupo na Grécia não estará autorizado a tratar do tema do controle da internet pela Icann. Isso porque os americanos conseguiram retirar o tema da agenda do encontro. “O lobby foi grande”, disse Schaw. O debate, portanto, ficará para o segundo semestre de 2007, quando o grupo se reúne no Rio. Apesar da renovação do contrato até 2011, o governo brasileiro vai manter sua posição de que a internet não pode mais ser controlada apenas por um país. Outra preocupação dos países é quanto à falta de transparência sobre a interferência do governo americano na Icann. Nos últimos anos, dois acontecimentos levantaram dúvidas sobre a influência da Casa Branca na rede. Durante a Guerra do Iraque, em 2003, os sites iraquianos misteriosamente desapareceram por alguns dias. Questionada, a Icann nunca deu uma resposta sobre o fato. Outro exemplo foi a rejeição dos Estados Unidos à criação do domínio .xxx, para sites de pornografia. “O contrato da Icann com o governo americano é um mistério. Não sabemos nem mesmo quem toma as decisões”, afirmou Schaw, que esteve envolvido nas negociações sobre o controle da rede nos últimos anos.