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António Botto – Poesia – 03/08/24

Boa noite Quanto, Quanto me Queres? António Thomaz Botto Quanto, quanto me queres? – perguntaste Numa voz de lamento diluída; E quando nos meus olhos demoraste A luz dos teus senti a luz da vida. Nas tuas mãos as minhas apertaste; Lá fora da luz do Sol já combalida Era um sorriso aberto num contraste Com a sombra da posse proibida… Beijámo-nos, então, a latejar No infinito e pálido vaivém Dos corpos que se entregam sem pensar… Não perguntes, não sei – não sei dizer: Um grande amor só se avalia bem Depois de se perder. ¹António Botto * Abrantes, Portugal – 17 de Agosto de 1897 + Rio de Janeiro, Brasil –  16 de Mar de 1959

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Maria Teresa Horta – Poesia – 30/06/24

Boa noite. Enleio Maria Teresa Horta ¹ Não sei se volteio Se rodopio Se quebro Se tombo nesta queda em que passeio Não sei se a vertigem em que me afundo é este precipício em que me enleio Não sei se cair assim me quebra… Me esmago ou sobrevivo em busca deste anseio. ¹ Maria Teresa Mascarenhas Horta * Lisboa, Portugal – 20 de Maio de 1937

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Bernardo Atxaga – Poesia – 08/12/23

Boa noite. A vida é a vida Bernardo Atxaga¹ A vida é a vida, não as suas consequências. Não a casa sólida construída no topo de uma montanha, ou as taças e as medalhas banhadas a ouro amontoadas nas suas prateleiras. A vida não é isso. A vida é a vida. Não as viagens até cidades longínquas ou as crianças, homens e mulheres nelas mal ou esplendidamente fotografadas. A vida não é isso. A vida é a vida. Não a chuva no telhado, ou o granizo nas janelas, ou a neve, ou a lua silenciosa, ou a luz, tão magnífica, dourada no Verão e prateada no Inverno. A vida não é isso. A vida é a vida. Não a mulher ou o homem que te sussurram ao ouvido, não os nossos pais, ou filhos, não os nossos irmãos A vida não é nada disso. A vida é a vida. ¹ Joseba Irazu Garmendia * Asteasu, Espanha – 27 de julho de 1951

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Quintino Cunha – Poesia – 02/12/23

Boa noite Encontro das Águas Quintino Cunha¹ Vê bem, Maria aqui se cruzam: este É o Rio Negro, aquele é o Solimões. Vê bem como este contra aquele investe, como as saudades com as recordações. Vê como se separam duas águas, Que se querem reunir, mas visualmente; É um coração que quer reunir as mágoas De um passado, às venturas de um presente. É um simulacro só, que as águas donas D’esta região não seguem o curso adverso, Todas convergem para o Amazonas, O real rei dos rios do Universo; Para o velho Amazonas, Soberano Que, no solo brasílio, tem o Paço; Para o Amazonas, que nasceu humano, Porque afinal é filho de um abraço! Olha esta água, que é negra como tinta. Posta nas mãos, é alva que faz gosto; Dá por visto o nanquim com que se pinta, Nos olhos, a paisagem de um desgosto. Aquela outra parece amarelaça, Muito, no entanto é também limpa, engana: É direito a virtude quando passa Pela flexível porta da choupana. Que profundeza extraordinária, imensa, Que profundeza, mais que desconforme! Este navio é uma estrela, suspensa Neste céu d’água, brutalmente enorme. Se estes dois rios fôssemos, Maria, Todas as vezes que nos encontramos, Que Amazonas de amor não sairia De mim, de ti, de nós que nos amamos!… ¹José Quintino Cunha * Itapajé, CE. – 24 Julho 1875 + Fortaleza,CE. – 01 Junho 1943

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Paul Valéry – Poesia – 14/11/23

Boa noite O SILFO Paul Valéry¹ Entrevisto e esquivo, eu sou esse aroma finado mas vivo que no vento assoma! Entrevisto e incerto, acaso ou talento? Mal se chega perto, concluiu-se o intento! Entrelido e oculto? Que erros, ao arguto, foram prometidos! Entrevisto e alheio lapso nu de um seio entre dois vestidos! ¹Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry * Paris, França – 30 de Outubro de 1871 d.C. + Paris, França – 20 de Julho de 1945 d.C. Filósofo, escritor e poeta francês, da escola simbolista. Seus escritos incluem interesses em matemática, filosofia e música. Realizou os estudos secundários em Montpellier na França, e iniciou sua carreira em Direito em 1889. Publicou seus primeiros versos, fortemente influenciados pela estética da literatura simbolista dominante na época. Em 1894 se instalou em Paris, onde trabalhou como redator no Ministério de Guerra. Depois da Primeira Guerra Mundial se dedicou inteiramente a literatura e foi aceito pela Academia Francesa em 1925. Sua obra poética foi influenciada por Stéphane Mallarmé que conseqüentemente influenciou outro francês Jean-Paul Sartre.

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João Cabral de Melo Neto – Poesia – 12/10/23

Bom dia Poema João Cabral de Melo Neto¹ O amor, esse sufoco, agora há pouco era muito, agora, apenas um sopro ah, troço de louco, corações trocando rosas, e socos ¹João Cabral de Melo Neto * Recife, Pernambuco – 9 de janeiro de 1920 + Rio de Janeiro, RJ. – 9 de outubro de 1999

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Eduardo Galeano – Poesia – 08/10/23

Boa noite Os ninguéns Eduardo Galeano¹ As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com quem deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura. Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam supertições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata. (In O livro dos abraços) ¹Eduardo Hughes Galeano * Montevidéu, Uruguai – 3 de setembro de 1940 + Montevidéu, Uruguai – 13 de abril de 2015

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Shakespeare – Poesia – 22/08/23

Boa noite Soneto II Shakespeare ¹ Passados quarenta invernos sobre a tua fronte, Após cavarem fundos sulcos nos vergéis de tua beleza, O vigor de tua orgulhosa juventude, hoje tão admirada, Será um esmaecido ramo sem nenhum valor.   Então, ao te perguntarem onde está o teu encanto, Onde está a riqueza de teus luxuriosos dias, Respondes, com olhos fundos, Que não passaram de vergonha e descabidos elogios.   Que louvores mereciam o uso de teus dotes, Se pudesses responder: “Este belo filho meu Me vingará, e justificará todos os meus atos”,   E provará ter herdado de ti toda a formosura. Isto farás de novo quando fores mais velha, E o sangue te aquecer quando te sentires fria.   ¹William Shakespeare * Stratford-upon-Avon, Reino Unido, 1564 + Stratford-upon-Avon, Reino Unido, 23 de abril de 1616

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Yeats – Poesia – 14/08/23

Boa noite. O prazer do difícil Yeats ¹ O prazer do difícil tem secado A seiva em minhas veias.A alegria Espontânea se foi. O fogo esfria no coração. Algo mantém cerceado Meu potro, como se o divino passo Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço, Sob o chicote, trêmulo, prostrado, E carregasse pedras. Diabos levem As peças de teatro que se escrevem Com cinqüenta montagens e cenários, O mundo de patifes e de otários, E a guerra cotidiana com seu gado, Afazer de teatro, afã de gente, Juro que antes que a aurora se apresente Eu descubro a cancela e abro o cadeado. Tradução: Augusto de Campos ¹ William Butler Yeats * Dublin, Irlanda – 13 de Junho de 1865 + Menton, França – 28 de Janeiro de 1939

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Sidónio Muralha – Poesia – 13/08/2023

Boa noite Soneto imperfeito da caminhada perfeita Sidónio Muralha¹ Já não há mordaças,nem ameaças, nem algemas que possam perturbar a nossa caminhada, em que os poetas são os próprios versos dos poemas e onde cada poema é uma bandeira desfraldada. Ninguém fala em parar ou regressar. Ninguém teme as mordaças ou algemas. – O braço que bater há-de cansar e os poetas são os próprios versos dos poemas. Versos brandos… Ninguém mos peça agora. Eu já não me pertenço: Sou da hora. E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas que possam perturbar a nossa caminhada, onde cada poema é uma bandeira desfraldada e os poetas são os próprios versos dos poemas. ¹ Pedro Sidónio de Aráujo Muralha * Lisboa, Portugal – 28 de Julho de 1920 + Curitiba, Paraná – 8 de dezembro de 1982 Ps. Mantida grafia do português de Portugal in Passagem de Nível” (1942) in Obras Completas do Poeta. Lisboa, Universitária Editora, 2002.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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