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Shakespeare escreveu tudo que se diz ser de sua autoria?

Em entrevista sobre seu novo livro, especialista analisa teorias que questionam autoria das peças do dramaturgo James Shapiro, autor de ‘Contested Will: Who Wrote Shakespeare?’ O que poderia unir figuras tão díspares quanto Mark Twain, Sigmund Freud, Orson Welles e Malcolm X? A convicção de que William Shakespeare não é o autor da obra de William Shakespeare. Não, não estamos falando de uma seita que propôs a Morte do Autor, muito antes de Roland Barthes, no ensaio clássico de 1967. A qualquer momento, há cerca de 50 candidatos a criador da maior obra literária da língua inglesa, difundidos com fúria renovada pelo DNA conspiratório da internet. Tais candidaturas, porém, acabam de sofrer um golpe – talvez de misericórdia – desferido pela afiada pena de James Shapiro, autor de Contested Will: Who Wrote Shakespeare?, lançado recentemente nos EUA, cujo título faz trocadilho com a palavra inglesa para testamento (will) e o apelido de William. Apresente-se, então, desde logo o hábil esgrimista da maior das polêmicas literárias. Aliás, ele não precisa de apresentação. James Shapiro é um dos mais respeitados acadêmicos shakespearianos nos dois lados do Atlântico e autor, entre vários livros, do premiado A Year In The Life of Shakespeare: 1599 (Harper Collins). Bem-humorado, ele recebeu o Estado de São Paulo para uma entrevista exclusiva no Departamento de Literatura Comparada da Universidade Columbia, onde dá aula. Tinha um breve intervalo na intensa turnê promocional do seu último livro e nos compromissos de orientador de várias companhias de teatro, como – atenção – a Royal Shakespeare Company britânica. Por que o senhor concluiu que a questão da autoria de Shakespeare está ligada à nossa leitura de ficção e não-ficção hoje? A literatura que aprecio hoje é predominantemente autobiográfica ou, pelo menos, namora a autobiografia. Tem sido assim, nos últimos cem anos. Há quatro séculos, as pessoas não escreviam de maneira autobiográfica, não mantinham diários. Não era uma idade da confissão, em que todo mundo abre o coração e recicla a própria experiência de vida na página. Cada vez mais se lê os trabalhos daquele período como se fossem contemporâneos, “Hamlet há de se referir à morte do pai ou da filha”. O problema é de anacronismo, nós olhamos para as obras do passado através de lentes modernas. E o meu livro é, em grande parte, sobre isso.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Por que há um esnobismo intelectual embutido nas teorias conspiratórias que o senhor analisa? Duas coisas aconteceram no século 19. Primeiro, começamos a descobrir mais sobre a vida de Shakespeare. Mas os fatos que vieram à tona não satisfaziam a nossa curiosidade: ele era bom marido e bom pai? Tudo isto se perdeu no tempo. A filha de Shakespeare, Judith, viveu mais 50 anos do que ele. Um religioso que vivia em Stratford anotou no diário que precisava “conversar com a filha de Shakespeare”. Mas ela morreu antes. Se a entrevista com Judith tivesse acontecido, você não estaria aqui me entrevistando. Mas o que veio à tona ou foi encontrado em arquivos era informação ligada a documentos imobiliários, empréstimos, especulação em grãos, o tipo de coisa que faz as pessoas acharem que o autor era um homem de negócios, não um artista. Enquanto esses fatos emergiam, as pessoas começaram a achar que o autor era uma divindade literária. Portanto, há estas duas narrativas correndo em direções opostas. Numa, o autor da obra tem que ter sido um indivíduo extraordinário. Na outra, o que sabemos sobre ele sugere um homem comum. E, em vez de aceitar o fato de que as pessoas escrevem por dinheiro e podem equilibrar dois aspectos da própria vida, decidiram: há duas pessoas diferentes. E, se há duas pessoas, o grande autor tinha que ser alguém da nobreza. E não ter a origem de classe média comum aos dramaturgos elisabetanos. Haveria resistência também por Shakespeare ter sido popular? Com certeza. Ele pertenceu à primeira geração de escritores que conseguiram se sustentar sem pedir ajuda a um patrono. O ingresso para o teatro de Shakespeare custava o preço de um pão. E o teatro acomodava 3 mil pessoas. Shakespeare não era só um ator, era um dos sócios da companhia e do Globe Theater. E ele se deu muito bem, como se pode ver pelo número de investimentos que fez; foi morar na segunda melhor casa em Stratford. Vários autores contemporâneos confirmam quanto ele era popular. William Shakespeare: há hoje 50 candidatos a autores do que ele escreveu. Vamos aos suspeitos de sempre. Primeiro, o Conde de Oxford. É o principal candidato hoje em dia. Há cerca de 50 candidatos a autores do que Shakespeare escreveu. O conde tem mais apoio. Seus defensores incluem juízes da Suprema Corte americana, grandes atores de teatro britânicos, Sigmund Freud, Orson Welles, um eleitorado de respeito. Mas ninguém veio com a história de que o Conde de Oxford havia escrito as peças até um sujeito chamado J.T. Looney dizer isto num livro de 1920. Looney dizia ser um pacato professor inglês. Mas descobri que só se tornou o pacato professor depois do fracasso de sua carreira como religioso de uma seita radical que idolatrava Shakespeare. A tal seita desmoronou e ele resolveu espalhar suas ideias reacionárias e direitistas. Looney decidiu que o autor verdadeiro deveria ter acreditado num passado feudal, ele era meio fascista. Os seguidores de Looney foram se tornando mais criativos. Como não há nenhuma prova ligando o conde à criação das peças, uma vez que se você tomar este caminho, precisa formular uma teoria conspiratória para explicar por que o nome do duque foi omitido. A mais excêntrica teoria sobre o conde está se tornando uma superprodução de cinema, Anonymous, dirigida por Roland Emmerich. Acredite e não ria quando lhe contar sobre a Teoria do Príncipe Tudor. Tudo remonta à Rainha Elizabeth, a monarca virgem da Inglaterra. Diz a teoria que Elizabeth não era mesmo virgem. Solteira, ela teve um filho que veio a ser o Conde de Oxford. Quando ele apareceu na corte, 20 anos depois, a

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Vasto saber digital

Se você gosta de artes plásticas, poesia, música e literatura, anote aí: já está na Internet a Europeana, a super-biblioteca digital, cujo acervo foi abastecido por mais de mil instituições da União Européia. Reúne mais de dois milhões de textos, vídeos, áudios e fotos dos mais importantes centros de estudos, bibliotecas e museus da Europa, apresentados em todas as línguas dos 27 Estados-membros da instituição. Estão lá reproduções de obras de van Vermeer às de Francis Bacon (a exposição, homenagem aos 100 anos do notável pintor irlandês, fica no Metropolitan de NY somente até o próximo dia 16), da Nona Sinfonia de Beethoven às árias cantadas por Maria Callas, da “Divina Comédia” ao “Two Songs for Heidli Anderson” de Auden. Fora mapas e ilustrações raras como um mapa da costa brasileira, publicado em Portugal em 1784. Mas olhe aí, gente. Se vocês acham isto pouco, podem também dar um pulinho na World Digital Library (WDL), projetada pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e pela UNESCO, na Internet desde 21 de abril passado. Ali vocês vão encontrar o Genji Monogatari, do século XI, considerado o primeiro romance literário do mundo, reproduções de uma pintura africana de 8.000 anos ou, ainda, do Waldseemüller, de 1507, primeiro mapa-mundi a reproduzir o continentea americano. Querem mais? Então, tomem fôlego e… Cliquem aqui para acessar a Europeana e aqui para acessar a World Digital Library [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

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Francis Bacon – Filosofia na tarde – 08/02/2013

Intelecto Sentimental Francis Bacon ¹ O intelecto humano não é luz pura, pois recebe influência da vontade e dos afetos, donde se poder gerar a ciência que se quer. Pois o homem inclina-se a ter por verdade o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificuldades, levado pela impaciência da investigação; a sobriedade, porque sofreia a esperança; os princípios supremos da natureza, em favor da superstição; a luz da experiência, em favor da arrogância e do orgulho, evitando parecer se ocupar de coisas vis e efémeras; paradoxos, por respeito à opinião do vulgo. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre imperceptivelmente, se insinua e afeta o intelecto. in ‘Novum Organum’ ¹Francis Bacon – Barão Verulam – Visconde de St. Albans * Londres, Inglaterra – 22 Janeiro 1561 d.C + Londres, Inglaterra – 09 Abril 1926 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Eliana Calmon, corregedoria e o STF

O dedo de Deus ¹ Gaudêncio Torquato O juiz, ensinava Francis Bacon, o filósofo inglês, deve preparar seu caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando as montanhas. Perguntinha do momento: será que há juiz abrindo vias judiciárias no Brasil sem olhar para o dedo de Deus? Pelo que se lê, há. É o que se deduz da ferina declaração da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, ao anunciar que no Judiciário há “bandidos de toga”. Ela vai além com o rabisco pitoresco de que inspecionará o Tribunal de Justiça de São Paulo, “refratário a qualquer ação do CNJ no dia em que o sargento Garcia prender o Zorro”.[ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda] Ora, quem conhece a historinha de TV que se passa em San Diego, no sul da Califórnia (EUA), não tem dúvidas sobre o desfecho. A chance do obeso sargento Garcia, fanfarrão e bebedor de vinho, prender o inimigo, Zorro, defensor do povo, chega perto de zero. A intenção da corregedora é, tudo indica, denunciar a ação corporativa patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que objetiva reduzir o poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça. Quem tem razão na pendenga? A questão avulta nesse momento em que o país presencia agitada movimentação na esfera dos operadores do Direito. Procuradores e promotores, advogados e juízes dominam a cena, brandindo armas flamejantes na arena dos conflitos, cada qual desempenhando suas funções. São ações judiciais – processos criminais, ações civis públicas, ações diretas de inconstitucionalidade -, recursos em defesa de pessoas e grupos de interesse ou, no caso dos magistrados, decisões muito aguardadas, cujos efeitos se fazem sentir nas políticas públicas e na dinâmica das instituições. É oportuno conferir o pano de fundo. O campo da política estreita, a cada dia, a distância que mantém da seara da justiça. Fato registrado pelos dois termos que traduzem a imbricação entre suas fronteiras: a judicialização da política e a politização da justiça. O que se convencionou chamar de “ativismo judicial” se explica por um conjunto de fatores, entre os quais se destacam: o despertar da sociedade, por meio de seus núcleos organizados; a emergência de novos pólos de poder; a promoção da cidadania, na esteira das bandeiras dos direitos humanos e da igualdade, responsável por movimentos como os de defesa das mulheres, de etnias e dos homossexuais; e o vácuo proporcionado pela ausência de legislação infraconstitucional (muitos dispositivos da CF de 88 não foram regulamentados). Nesse ambiente de múltiplas interações, dentro do qual convivem instituições em processo de consolidação e uma cultura patrimonialista que subjuga a res publica ao crivo (e à ambição) do interesse privado, é difícil ao sistema judiciário tornar-se imune às pressões políticas. A partir de 88, a Carta Magna abriu o leque das relações mais intensas. A composição das Cortes, por sua vez, tem proporcionado união mais estável entre justiça e política. Anote-se, por exemplo, o processo de seleção de nomes para compor as listas dos tribunais superiores, encaminhadas ao chefe do Executivo, a quem cabe a palavra final. No torneio de trancas e retrancas, pressões e contrapressões, há jogadores dos partidos, de arenas corporativas (associações de classe) e de grupos, particularmente os da esfera laboral. Registre-se, ainda, que o território dos negócios adentrou muito os domínios do Estado. Portanto, a politização da justiça sob o prisma de indicação de nomes para as Cortes incorpora também esse componente. Em nações desenvolvidas, como a França e a Alemanha, isso é natural. Parcela da Corte Constitucional passa pelo crivo do Parlamento. Há, ali, intenso atrelamento partidário. E nos Estados Unidos, a nomeação de magistrados passa pela régua partidária, seja privilegiando democratas ou republicanos (liberais ou conservadores), dependendo do presidente do momento. Exposto o cenário da interação justiça/política, é comum ouvir nos corredores do Judiciário coisas do tipo: “o juiz fulano é ligado ao político beltrano e vice-versa, o mandatário tem afinidade com o juiz tal”. Até ai, tudo bem. O desenho ganha matiz mais forte quando a aproximação gera suspeita, quando se escancara a influência de atores (políticos/empresariais) nas decisões de juízes. É até provável que a complexidade do sistema judicial brasileiro dê margem a desvios, levando-se ainda em conta a existência de 16.108 magistrados. Os descaminhos acabam batendo às portas da Corregedoria do CNJ. E aqui entra em cena a corregedora Nacional da Justiça com sua pregação: “há bandidos de toga”. Mas a entidade de classe dos magistrados quer nomes, repele a generalização. Como colocar a questão? Pincemos a célebre pergunta dos filósofos do Direito: Quis custodiet custodes? Quem vigia o vigilante? Norberto Bobbio sugere a resposta ao pressupor que a indagação, per si, aponta para um vigilante superior. Faz, porém, a ressalva: o processo deve ter limite sob pena de descambar ao infinito. O Conselho Nacional de Justiça, nesse caso, seria o vigilante das Cortes Estaduais. Sob tal entendimento, o cabo de guerra é puxado para o lado da ministra Calmon. O desembargador Nelson Calandra, presidente da AMB, refuta: “a magistratura não precisa de guardas para guardar os guardas”. Mas se os “guardas” (alguns) não honram o múnus, o desabafo de Calandra, é forçoso reconhecer, perde força. Poderia a própria Corregedoria do Tribunal “guardar” os quadros que o integram? Ora, essa é uma de suas funções. Mas os Tribunais, é sabido, não fazem controles rígidos. O modus operandi é corporativo. Não se controla a permanência dos juízes em suas localidades e nos fóruns. Crítica geral: as Corregedorias são omissas. Processos administrativo-disciplinares, ao chegarem ao plenário, são protelados com pedidos de vista, caindo na prescrição. Querem um bom desfecho para a querela? Basta que os dois lados olhem para onde aponta o dedo de Deus. ¹ Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação. Twitter: gaudtorquato

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