Livro do desassossego de Bernardo Soares Fernando Pessoa ¹ “Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura.” Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de as ler, chego à minha janela sobre a rua estreita, olho o grande céu e os muitos astros, e sou livre com um esplendor alado cuja vibração me estremece no corpo todo. “Sou do tamanho do que vejo!”Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo. “Sou do tamanho do que vejo!” Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se reflectem nele e, assim, em certo modo, ali estão. E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objectiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. “Sou do tamanho do que vejo!” E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro do horizonte. Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia. Mas recolho-me e abrando-me. “Sou do tamanho do que vejo!” E a frase fica sendo-me a alma inteira, encosto a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.” Fernando Antonio Nogueira Pessoa * Lisboa, Portugal – 13 de Junho de 1888 d.C + Lisboa, Portugal – 30 de Novembro de 1935 d.C ->> biografia [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]