Do supercomputador à nanotecnologia contra câncer: quatro grandes projetos científicos que estão parados no Brasil
Um supercomputador que custou dezenas de milhões de reais mantido em “stand-by”, remédios mais eficientes contra o câncer que não podem ser testados e bases de pesquisa em áreas remotas da Amazônia fechadas. Corte em verbas afeta diferentes projetos do setor Essa é a situação de alguns dos maiores projetos científicos do Brasil após os sucessivos cortes do orçamento da área nos últimos dois anos. A área de Ciência, Tecnologia e Inovação, que em 2013 recebeu R$ 9,4 bilhões, neste ano tem cerca de R$ 3,5 bilhões. Hoje, divide um ministério com o setor de Comunicações.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Esses cortes causam preocupação na comunidade científica, entre outras coisas pelo fato “de que aparentemente as pessoas que ocupam posições de decisão no Brasil ignoram a relação entre ciência e desenvolvimento”, segundo Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Há projetos importantíssimos que foram paralisados por falta de recursos e que podem melhorar muito a situação na crise global, agregando valor a nossos produtos”, diz Entre as reclamações mais frequentes está a falta de dinheiro para cobrir custos básicos de manutenção, como salário de funcionários e bolsistas, contas de energia e insumos para pesquisas. Parte do financiamento dos 126 Institutos de Ciência e Tecnologia (INCTs) do Brasil e das cerca de 29 entidades científicas veiculadas ao ministério vem de bolsas ou fundos de pesquisa para projetos específicos dentro deles – o que explica por que todos ainda produzem. Mas a diminuição da parte que vem do governo, que varia em cada instituto e é essencial para a manutenção de alguns deles, prejudica até mesmo a estrutura básica para a manutenção dos projetos. Na semana passada, representantes das principais instituições da área se reuniram com o ministro Gilberto Kassab para pedir que seu financiamento volte ao valor de 2013. À BBC Brasil, Kassab afirmou que já levou “as demandas da comunidade científica para a área econômica do governo federal, que não só reconheceu a importância estratégica dessas reivindicações como já descontingenciou R$ 1 bilhão para ciência, tecnologia e inovação”. “Trata-se do início da recomposição orçamentária, que, diante das circunstâncias atuais, é muito significativa e ocorrerá de forma gradual, dentro das possibilidades financeiras.” Kassab disse ainda que “o ministério continua trabalhando para aprovar empréstimo de US$ 1,4 bilhão com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), solicitado em abril, que deve, primeiramente, ser chancelado pela área econômica e pelo Senado”. Enquanto o dinheiro não sai, vários projetos estão parados ou impedidos de avançar em meio à crise e à mudança de governo. Conheça quatro deles: 1) Nanotecnologia contra o câncer Pesquisadores testam terapia fotodinâmica para tratar câncer de pele No INCT – Nanotecnologia, baseado em Brasília, uma rede de 50 pesquisadores tenta criar medicamentos mais eficientes contra o câncer, que causem menos efeitos colaterais. E tem conseguido bons resultados. “Temos experimentos com terapia fotodinâmica contra o câncer de pele – em que se coloca um medicamento na lesão e aplica-se uma luz sobre ele. Isso tem efeito colateral quase nulo no paciente”, diz Ricardo Bentes de Azevedo, presidente do instituto. “Já aplicamos inclusive em humanos, com resultados muito promissores. Conseguimos 100% de remissão do câncer.” As pesquisas também envolvem a criação de um nanomaterial que, uma vez dentro do corpo humano, só libera o princípio ativo de medicamento em regiões com o PH ácido – justamente onde se encontra o tumor. Isso faz com que a ação do medicamento seja mais direcionada e destrua menos células saudáveis, um problema comum na quimioterapia. “A quimioterapia normalmente deprime o sistema imunológico do paciente. Nós também estamos criando uma dupla terapia, que não só trata o tumor, mas também ativa o sistema imunológico contra aquele tumor. Isso é uma das coisas mais modernas no tratamento de câncer hoje”, explica Azevedo. O projeto, no entanto, tem sido impedido de avançar por causa da escassez de recursos. Em 2009, o INCT recebeu R$ 10 milhões para cobrir todos os seus custos por cinco anos – já se passaram sete. “Com o investimento do governo e outros recursos que conseguimos, demos um salto qualitativo enorme nos últimos anos. Mas agora estamos com dificuldade de comprar animais e material para a cultura de células – o que nos permitiria fazer testes”, descreve Azevedo. “Isso efetivamente estaciona os projetos. Ainda não interrompemos nenhum, mas eles não evoluem. Se não vierem recursos até o fim desse ano, teremos um retrocesso muito grande.” O presidente diz que a situação do instituto dá “desespero e desgosto”. “Nos últimos sete anos conseguíamos fazer tudo o que era preciso do ponto de vista da ciência. Agora voltamos a dez anos atrás, quando meu laboratório só fazia o que era possível.” 2) Supercomputador ‘na garagem’ Santos Dumont pode fazer um quatrilhão de operações matemáticas por segundo Há um ano, o supercomputador Santos Dumont chegou ao Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ). E há pelo menos seis meses, desde sua instalação, está parado por falta de dinheiro para pagar seu consumo de energia elétrica, de R$ 500 mil por mês. “Estamos mantendo o Santos Dumont em operação mínima para evitar pará-lo. Desligar totalmente um computador desse porte pode causar prejuízo. É como pegar um automóvel de luxo e mantê-lo parado na garagem”, diz Augusto Gadelha, diretor do LNCC. Comprado da França por R$ 60 milhões em uma iniciativa do governo federal, o supercomputador é o mais potente da América Latina, capaz de fazer um quatrilhão de operações matemáticas por segundo. Há, segundo Gadelha, mais de 70 projetos de pesquisa de diversas áreas esperando que esteja disponível para uso. Entre eles, uma proposta de analisar a estrutura do vírus Zika para facilitar a busca de uma vacina. Outro projeto quer criar novos medicamentos para o mal de Alzheimer. E há ainda os que permitem criar estruturas de engenharia cruciais para a indústria, como reservatórios de petróleo. Conta de energia de computador custa cerca de R$ 500 mil mensais a laboratório “Precisamos de R$ 14 milhões a R$ 15 milhões anuais para operar