Sanders é realmente socialista? E quais suas chances de chegar à Casa Branca?
O adjetivo “socialista” é usado com frequência para definir o senador Bernie Sanders, que tem desafiado o favoritismo da ex-secretária de Estado Hillary Clinton na disputa pela candidatura do Partido Democrata à próxima eleição presidencial americana. Bernie Sanders propõe um ‘capitalismo mais gentil’, mas rótulo de ‘socialista’ pode afastar eleitores – Image copyright Reuters A palavra reforça a imagem de outsider cultivada pela campanha do pré-candidato, que propõe ampliar o controle sobre os bancos e tornar gratuito o acesso à saúde e às universidades públicas. Até agora, a postura tem lhe feito disputar voto a voto com Hillary a liderança nas prévias que definirão o candidato democrata à sucessão de Barack Obama. Na votação de sábado, em Nevada, ele obteve 47% dos votos contra 52% de Hillary, diferença bem menor que a apontada por pesquisas feitas no Estado há vários meses. Os resultados de Sanders sugerem que o termo “socialista” vem perdendo parte da carga negativa que já teve nos Estados Unidos, embora muitos americanos ainda resistam à ideia de eleger um presidente que se defina assim e outros questionem a aplicabilidade do adjetivo ao senador. Socialismo democrático Desempenho de Sanders vem surpreendendo e superando as indicações de pesquisas – Image copyright Getty Embora já tenha se apresentado como “socialista”, Sanders diz que o termo mais correto para defini-lo é “socialista democrático” e que seus ideais não têm nada a ver com o “comunismo autoritário”. Nos Estados Unidos, o socialismo democrático é normalmente associado a organizações de esquerda que surgiram no país a partir do fim do século 19 e que pregavam uma combinação entre práticas democráticas, como consultas populares e a realização de eleições, e bandeiras tradicionais socialistas, como o controle social dos meios de produção. Os grupos jamais tiveram grande expressão política, mas seus ideais influenciaram sindicatos e movimentos de trabalhadores, especialmente até a primeira metade do século 20, perdendo popularidade conforme o confronto ideológico entre os Estados Unidos e a União Soviética se intensificava na Guerra Fria. Em entrevista em 2006 ao site Democracy Now, Sanders afirmou que ser socialista democrático significa defender que o acesso à saúde seja um direito, que os jovens possam estudar em universidades sem se endividar, que grandes empresas não sejam autorizadas a destruir o ambiente e que o governo não seja dominado por grandes interesses econômicos. O senador é um grande crítico do sistema financeiro comandado por Wall Street e o culpa pela grave crise econômica que atingiu os Estados Unidos há alguns anos. ‘Capitalismo mais gentil’ Sanders diz se inspirar em países da Escandinávia e a forma como criaram sistemas de saúde e educação gratuitos, com extensas redes de proteção social. Para muitos, a postura o aproxima da social-democracia europeia. Segundo o jornalista Harry Jaffe, autor de uma biografia não autorizada do senador, Sanders esteve próximo dos ideais socialistas quando era estudante, nos anos 1960. Mas ele afirma que o político vem gradualmente se afastando daquelas posições e já não pode mais ser identificado como um socialista nem como um socialista democrático. Uma das principais diferenças entre Sanders e as duas correntes, diz ele, é a oposição do senador ao controle social dos meios de produção. Em 2014, Sanders defendeu auxiliar trabalhadores que queiram comprar suas empresas para administrá-las como cooperativas, mas a proposta não figura entre as principais propostas de sua campanha para a economia. O pré-candidato já pregou “manter o forte espírito empreendedor que temos neste país para continuar a produzir riqueza, mas garantir que a riqueza seja distribuída mais igualmente que hoje”. Para Jaffe, o que Sanders quer é um “capitalismo mais gentil”. Rejeição Hillary Clinton é principal rival de Sanders pela indicação democrata Image copyright Reuters Entre críticos à direita, porém, Sanders é frequentemente tido como radical. Em artigo publicado na revista conservadora National Review, o editor Kevin Williamson comparou Sanders ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. “Suas visões são totalitárias ao ponto que ele não acredita haver nenhum aspecto da vida que esteja além do alcance do Estado”, diz o texto. Uma pesquisa do instituto Gallup em junho de 2015 revela que o rótulo de socialista pode ser um grande obstáculo ao sucesso de Sanders na eleição. O levantamento indicou que apenas 47% dos americanos votariam num candidato socialista que vencesse as prévias de seu partido, enquanto 50% afirmaram que não o apoiariam. A rejeição a um socialista é superior a um candidato que seja ateu (40% não o apoiariam), muçulmano (38%), evangélico (25%) e gay ou lésbica (24%). Considerando-se apenas os eleitores Democratas, porém, o índice de eleitores dispostos a chancelar a candidatura de um socialista sobe para 59% – o que em tese daria a Sanders condições de derrotar Hillary nas prévias. E se conquistar a vaga Democrata, pesquisas apontam que hoje ele seria mais forte que Hillary na disputa contra os principais pré-candidatos Republicanos. Segundo o site RealClearPolitics, as pesquisas apontam que Sanders derrotaria o empresário Donald Trump por uma margem média de 7,8 pontos percentuais, venceria o senador Ted Cruz (Texas) por 4,7 e empataria com o senador Marco Rubio (Flórida). Hillary, por sua vez, venceria Trump por 2,8 pontos percentuais, mas perderia de Cruz por 0,8 e de Rubio por 4,7. Ou seja, a resistência à eleição de um presidente “socialista” pode ser grande nos Estados Unidos, mas os demais pré-candidatos também enfrentam níveis significativos de rejeição. João Fellet/BBC