Todos os dias, 185 milhões de europeus usam um meio de transporte público para se locomover

[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]
Os dados divulgados pela União Internacional do Transporte Público (UITP) revelam que, em 2014, 58 bilhões de deslocamentos foram registrados em territórios da União Europeia (UE) a bordo de trens, ônibus e metrô. E se, de repente, todos esses meios desaparecessem e só pudéssemos nos mover usando nossos veículos particulares ou não motorizados?
Além de facilitar a locomoção, os meios públicos de transporte são aliados bastante válidos para reduzir o trânsito e os níveis de poluição. A extinção desses pilares da urbanização e impulsores da industrialização teria consequências econômicas, ambientais e sociais relevantes.
As grandes cidades seriam as primeiras a sofrer com o seu fim: ficariam totalmente engarrafadas devido ao aumento da circulação de carros e motos pelas ruas, e sucumbiriam com a alta emissão de gases nocivos.
“Mas isso não vai acontecer”, tranquiliza o secretário-geral da Associação de Empresas Gestoras de Transporte Urbano Coletivo da Espanha (ATUC), Jesús Herrero.
Durante a Semana Europeia da Mobilidade 2016, um evento organizado, todos os anos, pela UE e cuja última edição teve início na sexta-feira, a ATUC publicou um estudo que analisa as consequências negativas de um hipotético desaparecimento do transporte público urbano. “É um exercício para refletir sobre algo que é muito importante em nossas vidas, apesar não nos darmos conta por estarmos acostumados a ele”, afirma Herrero.
O preço de se privar do transporte público
O último Liveability Ranking 2016 – a lista de cidades com a melhor qualidade de vida do mundo elaborada, todos os anos, por The Economist Intelligence Unit – menciona, entre as razões para não incluir os grandes centros internacionais de negócios entre as primeiras posições de sua classificação, a sobrecarga das infraestruturas relacionada à elevada densidade da população.
Esse cenário não é uma realidade longínqua que só afeta cidades das dimensões de Nova York ou Tóquio: as previsões da ONU apontam um progressivo aumento da população urbana, que, em 2050, chegaria a representar dois terços do total, e fomentaria o nascimento de megacidades.
O relatório da ATUC toma Madri como referência, e reúne os dados do Observatório de Mobilidade Metropolitana (OMM) para analisar como os habitantes da capital espanhola se deslocam.
A escolha do meio de transporte a ser utilizado não se baseia apenas na disponibilidade, mas também varia em função da distância a ser percorrida: quando o trajeto é interno, prevalece o uso do transporte público e dos meios não motorizados, mas o carro e a moto ganham de lavada quando o deslocamento é entre a cidade e algum outro ponto da zona metropolitana, apesar de os veículos privados terem os mais elevados custos unitários por passageiro, tanto sociais (tempo de viagem e acidentes) quanto econômicos (infraestrutura e operação) e ambientais, em comparação com ônibus, metrô e trem.
Assim, se o metrô e os ônibus urbanos da empresa EMT deixassem de funcionar – 2.000 vagões e 2.000 veículos a menos –, seria preciso encontrar uma solução alternativa para oferecer transporte às 3,4 milhões de pessoas fazem uso desses meios diariamente (de segunda a sexta-feira).
Nenhuma das possibilidades consideradas pelo relatório da ATUC é positiva: 2,5 milhões de veículos a mais nas ruas – a Direção Geral de Tráfico contabilizou mais de três milhões em Madri, em 2014 –, o que congestionaria os pontos nevrálgicos da cidade. Isso também dobraria o número de acidentes, aumentaria a quantidade de motos e ciclomotores, e afetaria, até mesmo, a rotina de trabalho dos cidadãos, que teriam que modificá-la com o objetivo de reduzir os tempos de viagem. Isso sem mencionar as consequências ambientais e os problemas para estacionar.
Em 2013, havia cerca de 170.000 vagas, controladas pelo Serviço de Estacionamento Regulado, na zona central da capital, e outras 18.000 entre as destinadas a pessoas com mobilidade reduzida e as reservadas para carga e descarga, das quais apenas 111.000 eram utilizadas. No entanto, se houvesse apenas um milhão de veículos a mais em circulação, esse número de vagas já não atenderia à demanda. Além disso, mais carros e motos nas ruas implicaria um aumento de episódios de altos níveis de contaminação do ar, o que resultaria em mais frequentes proibições do acesso de veículos ao centro da cidade.
A essas externalidades negativas “tangíveis”, se acrescentariam outros efeitos “nocivos”: desde a perda generalizada da qualidade de vida devido à maior duração dos traslados e à pior qualidade do ar, até a impossibilidade, de certos coletivos, como cegos e pessoas com mobilidade reduzida, de se locomoverem de maneira autônoma. Além disso, ter carteira de motorista e um meio de transporte privado se tornaria um requisito indispensável para trabalhar ou satisfazer qualquer outra das necessidades das pessoas que não vivem perto de uma zona comercial.
E se o transporte não fizesse falta? O desafio da eficiência
Herrero diz que o estudo realizado pela ATUC não “é uma campanha contra o carro”, e também não aponta o transporte público como o remédio contra todos os males. “É uma maneira de dizer que há alternativas, porque, além do transporte público, acreditamos que caminhar é fundamental, e essa é uma atividade que deve ser incentivada, assim como andar de bicicleta, usar o carro de forma compartilhada (carona) e tudo aquilo que possa reduzir o número de veículos na cidade”, afirma.
“É possível traçar uma rota de maneira quase instantânea”
“A Semana Europeia da Mobilidade é uma ocasião extraordinária para dedicar alguns dias a esse tema, mas o transporte urbano também pode melhorar sua eficiência”, ressaltou Herrero.
De acordo com um estudo elaborado pelo Institute for Transportation and Development Policy (ITDP) e pela Universidade da Califórnia, se o transporte público fosse melhorado, e o uso de meios não motorizados impulsionado, as emissões de dióxido de carbono poderiam ser reduzidas em 40%, a nível mundial, até 2050.
Do mesmo modo, a possibilidade de ir de um lugar ao outro a pé ou de bicicleta, ou aproveitar o trajeto em transporte público entre a casa e o trabalho para se dedicar, de maneira cômoda, a outras atividades – ler, escutar música, etc – reduz o estresse e melhora a saúde, de acordo com o estudoHousing for Inclusive cities: the economic impact of high housing costs (Moradias para cidades inclusivas: o impacto econômico dos altos custos das residências,em tradução livre), da Global Cities Business Alliance.
São vários os projetos direcionados a melhorar os serviços de transporte de uma maneira geral, que vão desde o investimento em infraestrutura, como novas ciclovias, até a implantação de métodos de pagamento mais rápidos e integrados a nível geográfico, e projetos menos específicos, como o de cidades inteligentes.
“Tudo vai estar conectado, sensores serão utilizados e a tecnologia permitirá que o transporte público também seja, cada vez mais, sob demanda”, garante Herrero. “É possível traçar uma rota de maneira quase que instantânea”, insiste. “Esse é o futuro: transformar a mobilidade em algo muito mais fácil para as pessoas”.
El Pais/LAURA DELLE FEMMINE