Em entrevista, cientista político trata revelações do “Intercept”, que sugerem coluio entre Moro e procuradores, como as mais estarrecedoras desde o mensalão. Para ele, a reputação da Justiça brasileira sai arranhada.
“Um conluio absurdo entre o Judiciário e o Ministério Público”: assim o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas, classifica as conversas mantidas entre o juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnolquando integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato. “Em qualquer outro país seria um escândalo para o ministro renunciar hoje e para o procurador sofrer um processo administrativo hoje”, completa Praça, em entrevista à DW.
Para o cientista político, as conversas tornadas púbicas pelo site Intercept são “as mais estarrecedoras desde o mensalão, em 2005”. Mas Praça não acredita que Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, estaria ameaçado no cargo. “A popularidade dele impede que isso aconteça.”
Tanto Moro quanto a força-tarefa da Lava Jato rejeitaram as acusações de que as conversas teriam sido ilegais. “A Lava Jato é contra a corrupção, seja de quem ela for”, disse Dallagnol em vídeo publicado na segunda-feira.
O corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, decidiu na segunda-feira apurar se Dallagnol e outros integrantes do Ministério Público que integram a Lava Jato cometeram “falta funcional” em razão de troca de mensagens.
Moro se justificou à imprensa na segunda-feira, em Manaus. “Juízes conversam com procuradores, advogados e policiais. Isso é algo absolutamente normal, e eu não dei orientação nenhuma”, afirmou.
O juiz afirmou não poder dizer se as conversas divulgadas pelo Intercept são verdadeiras: “São coisas que aconteceram, se é que aconteceram, há anos. Eu não tenho mais estas mensagens, pois não as guardo”, afirmou.
O cientista político Praça diz, porém, que não é normal que juízes e investigadores se comuniquem dessa forma. “Isso é um absurdo. Se isso é normal no Brasil, eles são corruptos, pois isso é um crime no Brasil. O juiz é imparcial e não pode aconselhar ou construir provas junto com as outras partes.”
O caso pode jogar uma sombra sobre o trabalho da Justiça no Brasil. “Mas isso não torna Lula inocente, mesmo que Sérgio Moro e Daltan Dallagnol tenham combinado etapas da investigação”, diz Praça. O ex-presidente ainda enfrenta uma série de outros processos. “Os fatos criminosos não mudam. Mas é claro que são problemas do rito processual.”
Para o cientista político, é um escândalo que Moro e a Lava Jato, em sua opinião, tenham influenciado a eleição de outubro de 2018 com restrições contra Lula e o PT. “Evidentemente torcendo contra e prejudicando de uma maneira consciente uma candidatura, falando que o país precisa do PT fora do poder – se isso não é um crime, não sei o que é.”
Praça se diz impressionado com o que considerou uma inicialmente baixa repercussão do caso na imprensa brasileira. Se o vazamento tivesse sido feito por um site de um grande jornal, afirma ele, teria sido levado mais a sério de imediato.
“Mas a imprensa brasileira tem muita inveja do Glenn Greenwald, e ele tem um histórico de militante da esquerda, que o torna, para uma parte da imprensa, uma pessoa não confiável. Mas o trabalho dele é absolutamente excepcional.”
Ainda não se sabe quem foi o hacker que invadiu os celulares de Moro e da Lava Jato. Em nota, procuradores da força-tarefa disseram se tratar “dos mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.
Para Praça, não é tão importante neste momento que as informações tenham sido obtidas de forma ilegal. “Pouco importa quem invadiu o celular, as informações são de amplo interesse público”, afirma. “Da mesma maneira, Sérgio Moro grampeou Lula e Dilma e divulgou a conversa entre os dois. Na época, eu aplaudi. Agora, quando ferra eles, aí é ruim.”
Também houve reações do Supremo Tribunnal Federal (STF) à publicação do Intercept. “É ruim para a imagem do juiz Sergio Moro como candidato a uma cadeira no Supremo. Hoje eu tenho dúvidas até se ele termina o governo aí ministro da Justiça, mas vamos esperar”, disse o ministro Marco Aurélio Mello à Veja.
Seu colega Gilmar Mendes liberou, na segunda-feira, o julgamento de um habeas corpus que questiona a atuação de Sérgio Moro, e de um outro habeas corpus sobre a atuação do juiz do STJ Felix Fischer no caso do tríplex do Guarujá, que resultou na condenação de Lula. Sobre ambos os casos pode haver uma decisão já nesta terça-feira.
O clima entre uma parte dos juízes, de um lado, e Moro e a Lava Jato, do outro, é considerado envenenado há muito tempo. Agora, diz Praça, a reputação de todo o Judiciário brasileiro pode sofrer com enormes danos. “É um horror descobrir que, para prender corruptos, foi necessária muita corrupção. Você não pode fazer conluio entre poderes para prender corruptos.”